“Devíamos ser mais generosos com a parcialidade”: o livro do filósofo pop Alain de Botton sobre jornalismo

Atualizado em 30 de setembro de 2015 às 14:16
Alain de Botton
Alain de Botton

 

Nascido em Zurique, na Suíça, e criado na Inglaterra, Alain de Botton tem 45 anos, é filósofo e seu primeiro livro, publicado aos 23, vendeu dois milhões de cópias. Best-seller desde o começo da vida adulta, ele é frequentemente rotulado como um autor de autoajuda.

No entanto, Botton se descreve mais como um “filósofo do cotidiano”, tratando sobre temas como amor, ansiedade, felicidade e morte.

Fundou, em 2008, a School of Life, uma entidade global para realização de palestras. Participou de conferências famosas, como o TED, e criou um site de notícias próprio, o Philosophers Mail.

É um pensador de corrente otimista, embora reconheça que há males na vida sem nenhuma solução. Aprecia Montaigne, Sêneca e Sócrates, além de acreditar que a releitura deles é fundamental para entender a realidade. Suas aulas podem ser vistas de graça no YouTube.

Publicou em 2014 o livro “Notícias: Manual do Usuário” (240 p.), que chega ao Brasil neste ano pela editora Intrínseca numa tradução de Clóvis Marques.

A obra é uma aguda crítica à forma como se produzem as notícias. “Talvez a sociedade precise de ajuda para lidar com o que o noticiário vem causando a todos nós: inveja e terror, alegria e frustração; tudo aquilo que nos tem sido dito e que, no entanto, desconfiamos que às vezes seria melhor nunca ter sabido”, diz.

Alain de Botton afirma que a mídia é um instrumento social muito importante e que é equivalente ao processo da educação após o fim do período escolar dos cidadãos.

Justamente por isso, a imprensa pode também ser um instrumento nocivo quando ela reforça apenas comportamentos negativos e conservadores da sociedade.

“Como bem sabem os revolucionários, aquele que deseja mudar a mentalidade de um país não vai às galerias de arte, ao Ministério da Educação ou à casa de romancistas famosos; é preciso direcionar o ataque para o centro nervoso do organismo político, a redação das agências de notícias”, frisa.

Apesar de reiterar que a mídia pode nos fazer mal mentalmente, além de estimular comportamentos medíocres e confortos efêmeros diante de desastres, Alain de Botton faz uma defesa da parcialidade da imprensa. Distante do saber comum de que a mídia deveria ser totalmente equilibrada, o filósofo aponta que há causas que devem ser defendidas.

Um veículo tendencioso, sob a ótica de Botton, pode nos ajudar a entender a realidade: “Talvez devêssemos ser mais generosos com a parcialidade. Em sua forma pura, um viés tendencioso indica apenas a presença de um método de avaliar os acontecimentos orientado por uma tese coerente sobre o funcionamento e o florescimento da vida humana. É um par de lentes projetado sobre a realidade para deixá-la com mais foco. A parcialidade tenta explicar o que os fatos significam e introduzir uma escala de valores através da qual podemos avaliar ideias e acontecimentos. Parece exagero tentar escapar da parcialidade”.

E ele completa: “Embora nossa compreensão da ideia de parcialidade seja dominada por exemplos irritantes de esquerda e direita, no fim das contas o número de vieses tendenciosos é igual ao de visões de mundo”.

As palavras de Alain de Botton deveriam ser lidas por quem cobra, insistentemente, que a mídia seja sempre isenta, imparcial e independente em termos de equilíbrio. Os veículos não precisam ser assim e o leitor ganha quando há muitos diferentes uns dos outros.

Os leitores também estão muito acostumados a determinados formatos que nós, os repórteres, deveríamos modificar para não contar histórias sempre seguindo o mesmo método. Precisamos tornar as notícias dignas de serem lidas.

Não é cobrado, por exemplo, honestidade dos jornalistas, além de uma visão de mundo coerente dos veículos em que eles trabalham. No DCM, há uma defesa explícita do Estado de Bem-Estar Social presente em países da região da Escandinávia. Quantos veículos de imprensa que você conhece que constroem um viés estruturado desta forma? E no Brasil?

Por isso, além dos furos de reportagem e das informações corretamente apuradas, a mídia deveria cumprir a função que de fato ela exerce sobre os cidadãos – a de educar. E Alain de Botton deixa isso explícito em seu manual de compreensão sobre a imprensa.

“O que devemos considerar digno de mérito em uma organização jornalística não é a simples capacidade de coletar fatos, mas o talento – desenvolvido por meio de uma parcialidade inteligente – de nos fazer ver sua relevância”, conclui.