Diário de um derretimento: repórter conta como foi cobrir campanha de Russomanno. Por Ricardo Hernandes

Atualizado em 18 de novembro de 2020 às 14:52

Sem a máscara transparente, com olheiras fundas e sem tentar ser simpático, Russomanno disse que fez o que deu e que a campanha teve poucos recursos / Ricardo Hernandes

Publicado originalmente no site Brasil de Fato

POR RICARDO HERNANDES

É difícil alcançar bons resultados quando trabalhamos sem ânimo, sem vontade. Principalmente se o trabalho for convencer milhões de pessoas a confiar em você. E foi sem nenhum tesão pela tarefa que o apresentador de TV e deputado federal Celso Russomanno construiu sua terceira e pior derrota eleitoral na disputa pela prefeitura de São Paulo, consolidando em si mesmo a imagem de cavalo paraguaio.

De prático, ele leva para casa sua pior derrota na corrida pela prefeitura. O melhor desempenho foi na primeira tentativa, em 2012, quando ficou em terceiro lugar, com 21,60% dos votos (1,3 milhão de votos).

Quatro anos depois, Russomanno também chegou em terceiro, mas viu os votos caírem quase pela metade e acabou com 13,64%. Na campanha deste ano, foram 560 mil votos, pouco mais de 10% do total. E Russomanno ficou em quarto, ultrapassado por Covas, Boulos e Márcio França e com Mamãe Falei encostado.

O começo da ladeira

Ressabiado pelos fracassos anteriores, Russomanno não queria concorrer mais uma vez, até porque não tinha trabalhado uma base de apoio desde a última derrota, não tinha planejado a campanha ou costurado alianças.

Em setembro deste ano, só duas semanas antes de confirmar seu nome, o presidente municipal do Republicanos, Marcos de Alcântara, oferecia parceria ao PSDB dizendo com clareza ao UOL que Russomanno poderia ser vice na chapa de Bruno Covas.

Só pedia o que chamou de “participação na governabilidade”, ou seja, cargos e verbas. O Republicanos, aliás, já estava na prefeitura paulistana e Russomanno indicava nomes no Procon. Para ele, portanto, a aliança era confortável e natural. Difícil seria construir críticas a uma administração da qual ele participou.

Mas o PSDB não topou dar “governabilidade” e Russomanno, pressionado, cedeu a seus dirigentes partidários e ao presidente Jair Bolsonaro, que corria o sério risco de não ter ninguém defendendo seu nome e suas ideias na campanha da maior cidade do país. O presidente seria alvo de muitas críticas sem ninguém para defendê-lo e apelou a uma candidatura que lhe parecia competitiva.

Russomanno não escondeu dos aliados sua insegurança em relação à campanha, mas foi convencido de que Marcos de Alcântara havia construído uma estrutura partidária mais robusta e que o apoio de Bolsonaro seria determinante para um desfecho diferente desta vez.

Ele até tentou acreditar, mas, como temia, deu tudo errado. O apadrinhamento de Bolsonaro se revelou tóxico e a tentativa de atingir a candidatura de Guilherme Boulos na reta final com a ajuda da fábrica de fake news bolsonarista foi a pá de cal na triste caminhada.

Responsável por organizar a campanha em torno de líderes comunitários e religiosos para impedir que a intenção de voto no midiático candidato fosse efêmera, Marcos de Alcântara morreu no final de outubro, vítima de um câncer, e o que pudesse haver de confiança dentro da campanha se perdeu.

A ausência de Alcântara não foi suprida pelo presidente nacional do Republicanos, Marcos Pereira, que é deputado federal por São Paulo, mas preferiu não interromper as articulações que toca para tentar a presidência da Câmara em 2021 pelas por possíveis inimizades criadas numa campanha municipal – ainda que da cidade mais rica do país.

Faltando algumas semanas para a votação, a coordenação da campanha caiu no colo de Elsinho Mouco, infame marqueteiro do ex-presidente Michel Temer e autor de slogans como “O Brasil voltou, 20 anos em 2” e “Bora, Temer” para combater o “Fora Temer”.

Nesta campanha, para atacar o candidato que ameaçava Russomanno nas pesquisas, Mouco cometeu mais uma criação publicitária para marcar seu currículo: “Homem em pele de Boulos”, seja lá o que isso queira dizer. A campanha de Boulos festejava internamente a ajuda do adversário em tornar mais conhecido na periferia o nome do psolista.

Caçando votos

A periferia, aliás, foi onde a campanha de Russomanno tentou consolidar votos, já que as pesquisas mostravam péssimo desempenho dele entre os eleitores de maior renda e escolaridade. “Eu vejo o apoio que a gente tem nesses locais e acredito muito que vamos ao segundo turno”, repetia ele, como um mantra, aos jornalistas que cobriram sua campanha.

Só que esse apoio popular só existiu no discurso do candidato. Suas caminhadas e carreatas não mobilizaram as comunidades e eram acompanhadas apenas pela militância paga ou por um ou outro grupo de igreja, além de candidatos a vereador e suas equipes.

A comunidade apenas assistia à passagem de mais um ato político sob os tradicionais comentários de “a cada 4 anos aparece aqui”. O rosto conhecido da TV lhe rendeu sorrisos de comerciantes, mas não os sonhados votos.

Verdade seja dita, nesta eleição em meio a uma pandemia, foi mesmo difícil convencer alguém a militar de graça. De todas as campanhas, apenas de de Boulos e a de Arthur do Val, o Mamãe Falei, conseguiram algum apoio orgânico nas ruas.

Essa falta de apoio abalou dez vez a confiança Russomanno. O desânimo do candidato sob sua máscara transparente foi assunto entre os jornalistas que acompanharam sua campanha. Comentários sobre a voz mecânica eram cotidianos e a falta de um programa de governo consistente saltava aos olhos.

Nos momentos de maior empolgação em discursos, o candidato sempre era substituído pelo apresentador sensacionalista e os problemas da cidade eram sempre comparados a relações de consumo.

O povo paulistano, em busca de um prefeito, não comprou esse discurso reciclado nem acreditou no apadrinhamento de Bolsonaro, mas Russomanno agiu como se a culpa fosse dos jornalistas que acompanhavam sua campanha.

A irritação com a imprensa foi crescente e se refletia na equipe de assessores, que eram instruídos a pedir aos repórteres antecipadamente a pauta de perguntas – mostrando que 30 anos na TV não ensinaram tanto a Russomanno sobre o jornalismo. “Sobre isso ele não vai falar”, ouvíamos dos assessores quando mordíamos alguma isca.

É fato que ninguém é obrigado a falar sobre nada, mas um candidato a cargo público precisa assumir seus silêncios em frente às câmeras. E assim se deu o acompanhamento das agendas de Russomanno, com a maioria dos chamados “quebra-queixos”, aquelas entrevistas com os microfones amontoados na frente da pessoa, terminando abruptamente quando o candidato não queria falar de algo incômodo.

Entre integrantes da equipe de campanha, se criou a impressão de que todos os demais concorrentes eram bem tratados pela mídia e conseguiam expor suas propostas, enquanto Russomanno era obrigado pelos jornalistas a se manter permanentemente na defensiva, respondendo a perguntas difíceis — como sua opinião sobre a denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) contra o senador Flavio Bolsonaro, seu companheiro de partido e filho de seu padrinho.

Biden? Não conheço

Mas Russomanno não tinha opinião sobre rachadinha, sobre cheques para Michelle, sobre vice líder do governo com dinheiro na bunda ou sobre qualquer crítica a membros do governo federal. Tentando fugir de polêmicas, até a eleição de Joe Biden nos EUA ele se recusou a comentar.

De Bolsonaro, Russomanno só queria falar da pretensa amizade, que seria a chave para buscar uma renegociação da dívida da cidade e financiar sua principal promessa de campanha, um programa de transferência de renda do qual não se sabia nada – nem o valor.

No último dia 12 de novembro, quando seu derretimento já era inegável, Russomanno explicitou aos jornalistas sua frustração levantando a voz: “Vocês perseguem o presidente Bolsonaro. Isso não se faz. Vocês estão me perseguindo porque eu sou alinhado a ele. É muito triste. Isso não é democracia”, reclamou, quase choroso, enquanto buscava votos na favela de Heliópolis.

A equipe de campanha, apesar de inexperiente, percebia que as coisas não iam bem. Uma semana depois de Russomanno dar a declaração desastrosa de que os moradores de rua deveria ser imunes ao coronavírus porque não era infectados apesar de não tomarem banho, uma de suas assessoras perguntou a este repórter (que ela tinha visto apenas 4 ou 5 vezes na vida) o que ele estava achando da campanha do chefe dela.

Surpreendido, busquei uma resposta polida: “Acho que vai bem, ele está se mantendo em cima nas pesquisas e lidou bem com essa questão dos moradores de rua”. Acho que ela percebeu a falta de convicção na minha fala.

Último ato

A campanha de Russomanno disse aos jornalistas que o candidato iria acompanhar a apuração na sede do Republicanos em São Paulo. No domingo, a derrota do candidato já era dada como certa e, caso ele não carregasse o apoio de Jair Bolsonaro, o mais provável é que ninguém da imprensa aparecesse, pois era preciso concentrar esforços nos vencedores, projetar o segundo turno.

Mas Russomanno era o candidato do presidente da República e suas palavras sobre a derrota valiam muito, jornalisticamente. Será que culparia alguém? Será que anunciaria sua aposentadoria das eleições para cargos do Executivo?

Mas a maioria dos jornalistas estava ali mais por força do ofício do que por curiosidade sobre essas questões. A demora na apuração matou mais ainda o ímpeto dos profissionais e não havia mais do que 10 quando ele finalmente chegou, quase 22h da noite.

Sem a máscara transparente, com olheiras fundas e sem tentar ser simpático, Russomanno disse que fez o que deu e que a campanha teve poucos recursos. Se recusou a polemizar com Bolsonaro por sua ajuda insuficiente e desastrada.

Mas repetiu uma frase tantas vezes que deu pra perceber que era um recado: “Da minha parte, não faltou lealdade”. A ver se isso valerá de alguma coisa no futuro político de Russomanno.

* Ricardo Hernandes é um pseudônimo. O nome real do autor e o veículo para o qual trabalha foram preservados.