
A notícia do dia é que o senador Flávio Bolsonaro, filho do ex-presidente atualmente a uma pata da Papuda, reagiu mal, muito mal, à atuação do procurador Paulo Gonet, que apresentou ao STF o relatório final pedindo a condenação do pai do senador. Segundo Flávio, o procurador só poderia ter ingerido “altas doses de Diazepam” para formular tal petição.
A frase foi proferida com aquele tom de indignação típico de quem, envergando a camisa amarela da seleção, enxuga lágrimas com a bandeira do Brasil. Trata-se, como muitos certamente prefeririam esquecer, de uma cena difícil de apagar da memória nacional. A afirmação, contudo, causa menos espanto pelo seu conteúdo do que pela identidade de quem a pronuncia. Afinal, quando parte de alguém notabilizado muito mais pelos extratos bancários de seus assessores do que por qualquer defesa consistente da justiça, tal crítica revela-se, no mínimo, deslocada.
Essa reação, compreensivelmente caricata, ganha contornos de deboche ao se lembrar que Flávio é, ao menos em registros oficiais, um empresário do ramo de chocolates. Parece mesmo que o destino, sempre atento ao teatro farsesco que caracteriza a linhagem familiar, decidiu encenar um de seus atos mais cínicos entre bombons e trufas finas. Sob a superfície adoçada de prateleiras elegantes, porém, o que se revela tem gosto notoriamente amargo, e por demais conhecido.
Toda essa encenação expõe também um notável desconhecimento acerca do produto que supostamente sustenta seus negócios. Flávio, figura célebre nas colunas policiais e nos bastidores da política por seu entusiasmo pelas operações em dinheiro vivo, parece ignorar inclusive os rudimentos do vocabulário esportivo. Não compreende, por exemplo, que a palavra “chocolate”, no léxico do futebol, simboliza uma vitória acachapante.
E foi exatamente isso que Gonet ofereceu a Bolsonaro: um chocolate jurídico. Em bom futebolês, trata-se de um baile, um show, um sapateado com salto agulha na fuça do meliante. Uma goleada moral e técnica que não se dissolve com memes nem se cura com calmantes.

Se, portanto, o senador desconhece esse uso figurado da palavra, resta o enigma: como pode sua loja de chocolates figurar entre as mais lucrativas da rede Kopenhagen? Seria sua experiência no ramo limitada à função de operante do caixa? Pois, em matéria de paladar, ele demonstra dificuldade em distinguir uma Nhá Benta ou uma Língua de Gato de uma nota de cem reais cuidadosamente enrolada em celofane.
Não se trata, evidentemente, de acusação leviana, mas de uma constatação que apenas os muito ingênuos deixariam de considerar. Há, nas finanças do senador, mais mistério do que cacau nas trufas que comercializa. Compras milionárias de imóveis no Rio de Janeiro, todas efetuadas à vista e em espécie, levantam questões legítimas. Seria tudo isso resultado de um talento comercial extraordinário? Ou, mais provavelmente, de um antigo e já conhecido expediente: o de transformar assessores parlamentares em caixas eletrônicos ambulantes?
Entre uma barra de chocolate e outra, Flávio conseguiu edificar um respeitável império imobiliário. Entretanto, permanece a suspeita de que a verdadeira especialidade da casa não esteja listada no catálogo da Kopenhagen. Afinal, a famosa “rachadinha”, que jamais figurou entre os clássicos da confeitaria brasileira, parece ocupar lugar de destaque em sua trajetória. Essa é uma dúvida à qual tenho pleno direito. E tenho razões para crer que não sou o único a compartilhá-la.
Fico imaginando se Gonet, diante de tanta coincidência saborosa, resolvesse dar apenas uma olhada mais detida nessa outra frente de negócios. Haveria Diazepam suficiente para acalmar o senador? Ou o procurador, como quem repete uma jogada bem-sucedida, atropelaria também o senhor Wonka da Barra da Tijuca e aplicaria mais um chocolate, tal como o que serviu ao rachadeiro-pai?
Não me atrevo a responder. Permanece, no entanto, a dúvida, embalada como se fosse presente, cuidadosamente envolta em celofane. Talvez Flávio não entenda, de fato, de chocolate. No entanto, no que se refere às rachaduras que se insinuam entre o público e o privado, entre o cargo e o caixa, ali sim parece residir a sua verdadeira vocação. E, nesse campo específico, é preciso reconhecer que a familícia demonstra um conhecimento extraordinário.