Dilma foi a voz de Lula na mensagem mais reveladora sobre o saque do petróleo brasileiro. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 1 de junho de 2018 às 10:29
Dilma depois de visitar Lula: de dentro da cadeia, ex-presidente enviou mensagem sobre a paralisação dos caminhoneiros (foto de Eduardo Matysiak

Enquanto os chamados analistas ouvidos pela mídia tratam o movimento dos caminhoneiros por aspectos isolados, como a questão da intervenção militar ou seus efeitos no orçamento público, coube a Lula, de dentro da cadeia, identificar a causa, fazer a abordagem mais abrangente e colocar na agenda política o debate que realmente importa. Na raiz do preço do diesel (e da gasolina, do gás, querosene de aviação, etc.), está a apropriação da riqueza brasileira gerada pelo petróleo.

A voz de Lula se fez ouvir através de Dilma Rousseff, que o visitou ontem:

“Nós não podemos, com petróleo brasileiro, encontrado com a capacidade tecnológica brasileira, nós não podemos não podemos aceitar — interessante que os custos são em reais, o petróleo é uma riqueza da nação brasileira, não é da Petrobras, é de todos os brasileiros —, não podemos aceitar que uma estrutura industrial que o Brasil tem e que permitia que ele explorasse, através de suas refinarias, a produção de derivados, não podemos aceitar que dolarizem o petróleo brasileiro.

A declaração foi dada em entrevista coletiva à imprensa, na porta da cadeia onde está o ex-presidente. Com uma expressão de indignação, Dilma lançou um desafio aos repórteres que a questionaram:

“Vocês nunca se perguntaram por que o petróleo brasileiro, com custos nacionais, produzido em real, tem que estar dolarizado ou ligado ao preço internacional? Baseado em quê?

Dilma, em seguida, explicou como se formam os preços internacionais. Não é baseado no livre mercado, ou seja, de acordo com critérios de oferta e demanda. Na formação do preço do petróleo, há pressões derivadas de guerra ou intenção de guerra, pressões derivadas do jogo geo-político (isto é, de quem manda mais no planeta).

A presidente eleita deu alguns exemplos:

Quando Donald Trump ameaçou romper e depois rompeu o acordo nuclear com o Irã, que tem uma das maiores reservas de petróleo do mundo, o preço do barril do produto sobe.

Citou também o bloqueio e a asfixia internacional provocados sobre a Venezuela, também dona de uma das maiores reservas da Terra, que produzia 3 milhões de barris/dia e hoje, com a crise, reduziu para 1,5 milhão.

“É por isso que sobe o preço do barril”, disse.

E não só.

“Quando os Estados Unidos abandonam a política deles de juros baixos, sobe o dólar”, afirmou.

E com o dólar valorizado, o preço do petróleo sobe para quem tem economia baseada em outras moedas.

Por isso, lembrou Dilma, se o Brasil deixar que o preço internacional controle a Petrobras — com variáveis que ela não controla, pois não são baseadas no mercado —, a população paga a conta.

E aí a injustiça é flagrante: a população é dona da maior parte da empresa, através do controle acionário exercido pela União, fruto de investimentos de décadas na exploração do petróleo.

Essa política beneficia os acionistas — muitos deles fundos estrangeiros —, que, ao fim e ao cabo, são minoritários.

Mas influentes.

O Brasil, durante os governos de Lula e Dilma, se tentou conciliar os interesses da Petrobras com os da população.

Lembrou a presidente eleita:

“Esta era uma das partes centrais que o presidente hoje me disse: era a base do que nós olhamos, do que nós imaginamos como sendo importantíssimo no caso do Brasil que é, ao se descobrir o pré-sal, você também transformar o pré-sal numa riqueza para os brasileiros”, disse.

Dilma, ao deixar a carceragem (foto de Eduardo Matysiak)

Para isso, a ideia era ampliar as refinarias existentes e construir outras, para que o país tivesse a autossuficiência na área do petróleo.

“Queríamos evitar a maldição do petróleo, que é o petróleo ser exportado bruto e, em troca desse petróleo bruto, você ganha muito pouca coisa”, destacou.

“Esta é considerada a maldição do petróleo: Você exporta óleo bruto e importa todos os demais bens, os derivados”, acrescentou.

O resultado dessa política é a pobreza da população ao mesmo tempo em que grandes petroleiras, que não têm reservas próprias, enriquecem.

É um jogo perverso, tão antigo quanto à descoberta que o petróleo era fonte de energia e poderia, por exemplo, iluminar as cidades e, depois, movimentar motores.

O raciocínio de Lula, exposto por Dilma, explica por que o Brasil adquiriu, por exemplo, a refinaria de Pasadena, fonte de toda a farsa da Lava Jato.

Pagou caro, é verdade, mas havia um interesse estratégico por trás: o país fincaria raízes no maior mercado mundial de derivados de petróleo, os Estados Unidos.

Faria o caminho inverso. É o  Brasil que venderia derivados lá. No médio prazo, geraria lucro para a Petrobras.

Também explica a associação com a Venezuela para a construção de uma refinaria binacional em território brasileiro.

Deslocaria o eixo da produção de derivados para a América do Sul, com o Brasil na condição de ator principal.

Tudo isso foi desmontado pelo governo Temer, às vezes silenciosamente, outra vezes nem tanto.

Por exemplo, com uma canetada, o atual governo acabou há duas semanas com o Fundo Soberano, uma espécie de poupança que seria feita principalmente com dinheiro do petróleo, para que o Brasil enfrentasse períodos de crise.

Com o fim do fundo, o dinheiro foi para o orçamento — no final, vai ser usado para pagar juros da dívida pública, para a alegria de detentores de fundos de investidores, muitos deles estrangeiros.

De dentro da cadeia, Lula tocou na ferida e isso explica também por que está preso.

O país vive como se estivesse sendo atacado — uma guerra realmente, uma guerra sem armas, mas igualmente letal para o futuro do Brasil. Imagine-se que, num momento de saque como o atual, a diferença que faria a voz de Lula pelo Brasil.

Os inimigos conseguiram prender quem poderia opor resistência a esse processo de desmonte. Mas não o calaram totalmente. Dilma, ontem, deu vazão à sua mensagem.

Esta é uma das razões pelas quais a candidatura de Lula a presidente, mesmo preso, não é só um direito dele. É também um dever de quem se dedica a causas de interesse público.

Ele deve ser candidato até onde der, e defender essa candidatura é uma obrigação de todos que não desistiram de fazer do Brasil uma grande nação.

O resto é jogo eleitoral de quem tem visão de curto prazo.

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A entrevista de Dilma: