Dilma foi deposta e Lula foi preso porque atuaram para tentar reduzir a concentração de renda, diz ex-senador

Atualizado em 15 de dezembro de 2019 às 15:11
Ex-presidentes Luiz Inacio Lula da Silva e Dilma Rousseff Foto: NELSON ALMEIDA / AFP

Publicado originalmente no site Rede Brasil Atual (RBA)

POR VITOR NUZZI

Além do mau tempo político no país, o mau tempo climático atingiu Roberto Saturnino Braga, que não conseguiu sair do Rio de Janeiro para o lançamento do livro Meu Querido Brasil – Minhas memórias de Getúlio, JK, Lula, Dilma e outros democratas (editora Alameda, 118 páginas), na livraria Tapera Taperá, região central de São Paulo. Mas ele manteve o otimismo nos dois casos: em vídeo, disse que em breve vai percorrer a ponte aérea e identificou “perspectivas largas” para o país, “uma vez vivido esse período estreito” atual.

O lançamento foi na noite desta sexta-feira (13), com um debate previsto entre Saturnino e o vereador paulistano Eduardo Suplicy (PT), que conviveram no Senado – Saturnino, 88 anos, foi senador por três mandatos, deputado por quatro e prefeito do Rio de Janeiro. Também estava presente o economista Paulo Nogueira Batista Jr., que foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, o  chamado Banco dos Brics, e diretor-executivo no Fundo Monetário Internacional (FMI) pelo Brasil e mais 10 países. Recentemente, ele lançou o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém (LeYa).

As falas se concentraram justamente no desenvolvimento a partir de uma perspectiva nacional. “O Brasil está precisando de um novo grito do Ipiranga”, disse Saturnino na mensagem dirigida ao público paulista. Segundo ele, o país “vai se livrar, tem de se livrar” do que o autor chama no livro de o Grande Capital Imperial, ou o poderoso Irmão do Norte. Ele cita a expressão “elite do atraso” cunhada pelo sociólogo Jessé Souza para se referir a uma “aliança perversa” para manutenção do poder e do processo de exclusão social. O desenvolvimento é um processo político, diz Saturnino, citando Celso Furtado. E acrescenta, em outro trecho do livro: “Não há desenvolvimento nem civilização sem democracia, sem o diálogo habermasiano”. A referência final é ao pensador alemão Jürgen Habermas.

Saturnino enfatiza a necessidade de combater continuamente a desigualdade. E observa que o país, em período recente, avançou nesse sentido. “Problema que o Governo Brasileiro da primeira década do milênio – o Governo Lula-Dilma – mostrou que, demonstrou, provou que é possível enfrentar e resolver num prazo razoável”, escreveu. As desigualdades (de renda, moradia, educação, saúde, cultura, participação, cidadania) impedem o desenvolvimento. E voltaram a crescer depois do golpe de 2016, assinala.

Projeto nacional

Uma desigualdade mais “desumana e corrupta” do que qualquer revelação da “Lavajato golpista”, como ele se refere à operação deflagrada em Curitiba. “E que é passível de ser bem reduzida, dia a dia, ano a no, esta medonha desigualdade; comprovadamente possível, com vantagem imediata e evidente para a economia do País, como mostrou o período Lula.”

Para ele, Dilma Rousseff foi deposta e Luiz Inácio Lula da Silva foi preso porque atuaram no sentido de reduzir a desconcentração de renda. “Porque mostraram que não há segredo sobre as linhas principais desta política: o Sistema de Previdência, a melhoria do sistema público de saúde, a Política Salarial, o Salário Mínimo, a Bolsa Família, a Renda Mínima do grande Eduardo Suplicy, o programa Minha Casa Minha Vida, os CIEPs de Brizola, a federalização do ensino médio que Lula faria se fosse novamente Presidente, a multiplicação das universidades públicas e escolas técnicas no interior do País, que fez quando foi Presidente e produzirá enormes efeitos daqui a alguns anos.” Um conjunto de obras “realista  e viável”, observa.

Na mensagem em vídeo, Saturnino defendeu que o Brasil forme “sua própria economia” e sugeriu a formação de uma nova rota sul-sul, formada aqui por Brasil, Argentina e Uruguai, somando-se à África do Sul e à Índia. “Temos condições de propor a rota da boa esperança. Esse é o futuro”, afirmou.

O livro traz também histórias pessoais, como a revelação de um cantor “não só de bela voz, de timbre premiado, mas de musicalidade e entrega”, além de impressões sobre vários personagens históricos, não só do mundo político. Na sua origem política, um inimigo aparentemente eterno: a TV Globo, que não o perdoou por ter presidido, quando deputado, em meados dos anos 1960, a CPI que apurou a relação entre a nascente emissora com o grupo norte-americano Time-Life. “Fui um político sem mídia, porque a Globo mandava”, escreveu Saturnino, apontando o “ódio, a pertinácia, a perseguição, o rancor, a pequenez” de Roberto Marinho.

Qual desenvolvimento?, pergunta, para em seguida listar possíveis objetivos de um projeto próprio: redução da desigualdade, sistema nacional de qualidade para a saúde e a educação, transporte coletivo “bom para todos”, moradia decente, água, esgoto, coleta de lixo, segurança, aposentadoria digna, férias, jornada menor. Orgulho nacional brasileiro. “Coisas desse tipo, que precisam ser bem definidas para que possamos organizar um projeto nacional segundo as prioridades queridas, as coisas mais importantes para todos os brasileiros, e não ficar, como a mídia, só falando de PIB, comparando PIBs, fazendo crescer o PIB, crescer o bolo do PIB para depois distribuir”, argumenta. “A Globo, putz, que atraso.”

Confira o debate: