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Dinheiro de ditador africano é detalhe num Carnaval bancado pela pilantragem há 40 anos

Tudo em casa: Roberto Carlos e Anísio Abrahão David, “patrono” da Beija Flor

 

O financiamento do samba-enredo da Beija-Flor por um ditador africano é só mais uma particularidade de uma festa que é montada em cima de um esquema corrupto há muito tempo.

“Um griô conta a história: um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial” é o nome da música feita para homenagear Teodoro Obiang Nguema, “presidente” daquele país há 35 anos.

Fã do carnaval carioca, Nguema é assíduo da Marquês de Sapucaí. Segundo a Forbes, é o oitavo governante mais rico do mundo, apesar do sua nação ser uma das mais pobres.

Observadores nacionais e internacionais consideram seu regime corrupto, etnocêntrico e opressivo. Há apenas um partido. O jornalista americano Peter Maas definiu Obiang como “o pior ditador da África”. Comparações com Idi Amin Dada são comuns. Ele mesmo espalhou os boatos de que é canibal, como fazia Idi Amin, para aterrorizar seus adversários.

Obiang teria desembolsado entre 5 e 10 milhões de reais, oficialmente. Para quem tem, de acordo com a Forbes, 600 milhões de dólares, é troco de pinga.

“Lamentamos a tentativa de relacionar este enredo com outros já apresentados pela Beija-Flor de Nilópolis. O tema tem viés estritamente cultural e não aborda o formato de governo do país”, disse a Beija Flor à BBC Brasil. “Buscamos enaltecer a arte e a força do povo da Guiné Equatorial. Bem como a transformação dos benefícios das suas riquezas naturais em melhorias para a população”.

Balela. O fato é que “o maior espetáculo da Terra” é um monumento à pilantragem e Obiang é um novo retrato na galeria.

Nos últimos 40 anos, os bicheiros tomaram conta das escolas e transformaram o desfile. Castor de Andrade, à frente da Mocidade Independente de Padre Miguel, Anísio Abraão David, da Beija-Flor, e Luiz Pacheco Drumond, da Imperatriz Leopoldinense, investiram grana e conseguiram, entre outras coisas, sair da clandestinidade para as coberturas na Zona Sul.

Apesar de operarem na ilegalidade, nunca foram realmente incomodados pelas autoridades. Volta e meia um deles é preso com estardalhaço, finge que se aposenta e coloca um testa de ferro em seu lugar.

O caldo de quem banca o Carnaval carioca é diversificado. A Globo paga pelos direitos exclusivos. Há ainda uma verba da prefeitura, outra do estado e outra do governo federal. Arrecada-se com bilheteria. Em 2010, foram 42 milhões, divididos entre as doze agremiações do grupo especial.

O patrocínio do enredo já levou as escolas a falar de cerveja, companhia aérea, Hugo Chávez, Portugal, cacau, cabelo (!?). Com os milhões na mesa, os autores se viram.

As escolas não prestam contas. Quando vai se mexer nisso? Jamais.

Em 2012, Marcelo Freixo, então candidato do PSOL a prefeito, declarou que a Secretaria Municipal de Cultura deveria assumir o controle da coisa e transferir recursos se houvesse “contrapartida cultural”.

Freixo citou o caso do Salgueiro, que foi patrocinado pela revista Caras. “Que sentido faz a prefeitura patrocinar um enredo sobre a Ilha de Caras?”, questionou na TV, corretíssimo.

A liga das escolas reagiu prontamente com um certo “Manifesto a favor da plena liberdade de expressão”. Políticos — que vão ao Sambódromo — chamaram a iniciativa de “autoritária”, “dirigista” e por aí vai.

Seja lá o que Freixo quis dizer com “contrapartida cultural”, não deu tempo de explicar. A proposta sumiu na avenida para nunca mais ser vista.

Este não será o último carnaval de Teodoro Obiang Nguema e nem de outros ditadores que queiram colaborar com essa festa tão linda, olê-olá, meu povo, bumbum paticundum prucurumdum.

Kiko Nogueira

Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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