
O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu na última segunda-feira (27) uma decisão da 3ª Vara Federal Cível e Criminal do Acre que havia imposto multa de R$ 300 mil e ameaça de afastamento ao médico Raphael Câmara, conselheiro do Conselho Federal de Medicina (CFM).
De acordo com informações da Gazeta do Povo, a decisão do juiz acreano atendeu a uma ação movida pela ONG “Minha Criança Trans”, que questionava a conduta de Câmara nas redes sociais e cobrava esclarecimentos sobre a Resolução 2.427/2025, publicada pelo CFM em abril.
O magistrado havia determinado que o órgão e o médico respondessem em 48 horas a dez perguntas apresentadas pela entidade, sob pena de multa e afastamento. O CFM e Câmara cumpriram o prazo, mas contestaram o que chamaram de “severidade excessiva” e “prazo exíguo” imposto pelo juiz. A medida, segundo a entidade, representava uma violação aos princípios da razoabilidade e do devido processo legal.
“Trata-se de determinação dotada de severidade incomum, sem precedentes em casos de natureza similar, e que se distancia frontalmente dos princípios constitucionais da razoabilidade, da proporcionalidade e do devido processo legal. Não se observa, na decisão, qualquer fundamentação que justifique o prazo exíguo concedido, tampouco a fixação de multa em valor tão manifestamente elevado”, afirmaram os advogados do CFM.
Dino considerou que o juiz do Acre não tinha competência para decidir sobre o tema, já que o mesmo assunto está em análise no STF e na 21ª Vara Federal do Distrito Federal.
Por isso, suspendeu os efeitos das duas decisões anteriores do magistrado, tanto a que exigia esclarecimentos quanto a que havia suspendido, em julho, a validade da Resolução 2.427/2025, também a pedido de entidades ligadas ao movimento trans. O ministro determinou ainda que o juiz acreano apresente explicações em até dez dias.

Entenda o caso
A ONG “Minha Criança Trans” processou o CFM e Raphael Câmara após o médico comemorar, em suas redes sociais pessoais, a decisão recente de Dino que restabeleceu os efeitos da resolução. A entidade considerou o gesto uma afronta e pediu que o órgão e o conselheiro prestassem informações sobre protocolos médicos de redesignação sexual e o comentário publicado.
O Conselho Federal de Medicina afirmou que respondeu aos questionamentos no prazo e criticou o que chamou de abuso judicial. A defesa também argumentou que o CFM não deveria ter sido intimado, já que a manifestação de Câmara ocorreu em caráter pessoal e sem qualquer vínculo institucional.
A Resolução 2.427/2025, alvo das ações judiciais, estabelece regras mais rígidas para procedimentos de transição de gênero.
O texto proíbe o uso de bloqueadores hormonais antes dos 18 anos para pessoas que não se identificam com o sexo biológico e determina que as cirurgias de afirmação de gênero só podem ser realizadas após um ano de acompanhamento médico e a partir da maioridade. Nos casos em que há risco de esterilização, como remoção de testículos ou útero, a idade mínima é de 21 anos.
A norma foi amplamente criticada por entidades do movimento trans, que consideram que o CFM impôs barreiras à autonomia dos pacientes e à atuação de profissionais de saúde. Em contrapartida, o Conselho argumenta que o objetivo é assegurar práticas médicas seguras e embasadas em evidências científicas.
Em 1º de outubro, a revista Nature Medicine publicou um artigo assinado por membros do CFM em defesa da resolução.
“Com base em princípios legais, científicos e bioéticos, as normas adotadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) do Brasil por meio da Resolução nº 2.427/2025 não representam um retrocesso nos direitos das pessoas transgênero. Ao contrário, constituem o exercício legítimo de um dever institucional: garantir a segurança, a eficácia e a integridade científica das práticas médicas no Brasil, especialmente aquelas de alto impacto biológico em populações vulneráveis, como crianças e adolescentes”, diz o texto.