Diplomatas criaram rede de resistência no Itamaraty contra golpismo de Bolsonaro; entenda

Atualizado em 7 de dezembro de 2022 às 13:56
Jair Bolsonaro em reunião com embaixadores para atacar o sistema eleitoral
Foto: Reprodução

Uma rede de resistência clandestina foi criada no Itamaraty para conter a política externa bolsonarista e o golpismo de Jair Bolsonaro (PL) durante o período em que foi presidente.

Temas como mudanças climáticas, direitos humanos, a questão palestina ou a Guerra da Ucrânia foram tratados em encontros sigilosos, segundo o jornalista Jamil Chade, do UOL. As reuniões clandestinas foram confirmadas por 13 funcionários do Itamaraty incluindo embaixadores e servidores administrativos, e em um amplo e ainda inédito estudo de pesquisadoras da FGV e de Oxford.

A rede de resistência envolveria vários nomes e teria se espalhado por alguns dos principais departamentos da chancelaria. Os objetivos do grupo eram permitir que o outro país tivesse tempo para reagir a mudanças na política externa do Brasil, sem que uma crise fosse estabelecida e preservar a credibilidade do Brasil no exterior e salvar décadas de uma construção da diplomacia nacional.

De acordo com os diplomatas, a palavra correta seria resistência, que existiu “em nome da democracia e da soberania”, sempre dentro de parâmetros da legalidade. Os tais atos, na realidade, eram apenas uma tentativa de “equalizar posições” perante aqueles que estavam destruindo as estruturas democráticas.

A rede de resistência foi responsável por montar um esquema de contatos diretos com governos estrangeiros, sem ter de passar pela cúpula do Itamaraty e com o objetivo de desarmar crises diplomáticas. O grupo também se limitou a ler “a instrução que chegou de Brasília”, em reuniões na ONU, OMS ou OEA, sem uma atuação de empenho para convencer os demais países a seguir o Brasil em suas posições.

Eles ainda copiaram documentos que poderiam ser usados para defender um diplomata contra acusações e registrar a ilegalidade de certos atos do Planalto; gravaram reuniões de forma clandestina nas quais a cúpula bolsonarista ordenou a suspensão de termos de documentos ou o veto a determinadas resoluções que citassem a palavra “gênero” ou outros temas delicados; vazaram informações para a sociedade civil sobre o posicionamento do Brasil na esperança de que uma pressão pública fosse feita para impedir que um determinado ato fosse concretizado; diminuíram o ritmo de trabalho na implementação de instruções pela cúpula bolsonarista; realizam reuniões sem registros na agenda oficial, impedindo que certos temas ou debates entrassem no radar da direção.

Um clima de medo, represálias e perseguição foi instalado no Itamaraty durante os quatro anos do governo de Bolsonaro. As nomeações técnicas, que sempre guiaram de forma explícita desde a promoção de diplomatas até as posições do Brasil no exterior, foram abolidas e entraram as indicações políticas e o alinhamento ideológico com o núcleo bolsonarista.

Essas mesmas condições foram identificadas na pesquisa coordenada pela professora da FGV Gabriela Lotta, em parceria com Izabela Corrêa, de Oxford, e Mariana Costa, também da FGV. Elas entrevistaram diplomatas que estão alocados em distintos países e setores do Itamaraty.

Segundo os funcionários ouvidos a gestão Bolsonaro promoveu: monitoramento de diplomatas sobre o que curtiam nas redes sociais, se eram membros de partidos políticos ou até com quem eram casados; substituição de funcionários que se dedicavam a estudos de temas contrários à agenda de Bolsonaro como clima, meio ambiente, gênero e direitos humanos, por pessoas leais ao governo; promoções e transferências para o exterior foram transformadas em moeda de troca e instrumento de ameaça; palavras como “gênero”, “Cuba” e “mudanças climáticas” foram vetadas de documentos oficiais; mulheres e homossexuais foram alvo nessa nova fase, que teve uma “masculinização” de certas práticas.

Procurado, o Itamaraty não respondeu sobre as denúncias. O número de pessoas removidas de seus cargos foi tão emblemático que gerou um apelido informal para designar diplomatas loteados em locais onde não faziam nada: “Departamento de Escadas e Corredores”.

Segundo Jamil Chade, na opinião da professora da FGV Gabriela Lotta, dos embaixadores e diplomatas ouvidos, resistir foi a saída encontrada para sobreviver a um dos momentos mais tenebrosos da democracia brasileira.

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