Direita ganhou um “mártir” e quer acusar esquerda de homicídio, diz ex-cônsul do Equador ao DCM

Atualizado em 10 de agosto de 2023 às 20:07
Fernando Villavicencio, candidato à Presidência do Equador que foi assassinado

Em entrevista ao DCM, o ex-cônsul equatoriano em Londres Fidel Narvaez, que trabalhou no caso do fundador do Wikileaks, Julian Assange, falou sobre o cenário político do Equador antes e depois do assassinato de Fernando Villavicencio, candidato de direita à Presidência do país, e relatou um clima de “consternação, indignação e medo”. Ontem, Villavicencio foi morto com três tiros na cabeça ao deixar um comício em Quito.

De acordo com Narvaez, o político assassinado se tornou um “mártir” para a direita equatoriana. Ele afirma que Villavicencio foi o “candidato mais anti-Correa”, se referindo ao ex-presidente equatoriano de esquerda Rafael Correa. A ex-deputada Luisa González, candidata apoiada por Correa, é a primeira colocada nas pesquisas de intenção de voto e deve ser eleita no 1º turno, enquanto Villavicencio era apenas o sétimo.

Narvaez diz que, com a provável vitória de González, o assassinato de Villavicencio “pode ser uma medida desesperada da direita para impedir que a esquerda (correismo) ganhe as eleições no primeiro turno”.

Fidel Narvaez, ex-cônsul do Equador em Londres

Para Fidel Narvaez, a justiça equatoriana “hoje não é confiável” e o crime deveria ser investigado por uma comissão internacional. Segundo ele, o político “fez muitos inimigos nos últimos anos e denunciou ameaças específicas de grupos de narcotraficantes”.

Logo após o atentado, políticos brasileiros de direita, como o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), publicaram mensagens nas redes sociais para condenar o crime que tirou o candidato da disputa e tentaram culpar Rafael Correa pelo atentado. Para Narvaez, isso só prova que a direita brasileira é “desonesta como a equatoriana”.

Confira a entrevista:

DCM: Como você explicaria o ataque a Villavicencio e suas circunstâncias?

Narvaez: O assassinato de um candidato presidencial é a prova de que o Equador atinge o nível máximo de insegurança, agora refletido na violência política. Depois de ser o 2º país mais seguro da América Latina sob o governo de Rafael Correa, em apenas seis anos de governos neoliberais somos agora o 2º mais perigoso da região. A criminalidade quintuplicou devido à destruição de instituições e à falta de investimento social.

Fernando Villavicencio fez muitos inimigos nos últimos anos e antes de seu assassinato denunciou ameaças específicas de grupos de narcotraficantes. O dispositivo de segurança, suspeitosamente, não funcionou. O componente político do crime não deve ser descartado e deve ser investigado por uma comissão internacional, porque a justiça equatoriana hoje não é confiável.

A direita equatoriana pode se beneficiar desse assassinato?

Sim. Villavicencio foi o candidato mais “anti-Correa”, mas não teve chances de disputar os primeiros lugares da eleição. A direita tem agora um mártir e a narrativa midiática é de acusar de homicídio o Correísmo, que seguramente vai ganhar as eleições. A direita quer impedir essa vitória no primeiro turno e, nessa perspectiva, o assassinato de Villavicencio pode ser uma medida desesperada da direita para impedir que a esquerda (correismo) ganhe as eleições no primeiro turno.

Como está o clima político no país após o ataque?

Há um clima de consternação, indignação e medo. Villavicencio é o político mais importante a ser assassinado, mas não é o único. Outras pessoas foram assassinadas nos últimos meses, como o prefeito de Manta, um dos principais portos do país, que Villavicencio acusou de ter ligações com o narcotráfico. Assassinaram o candidato que tinha a maior equipe de segurança, ou seja, ninguém está seguro.

Pode-se dizer que o Equador se tornou um narcoestado como a Colômbia nos anos 90?

O Equador sempre foi um local de trânsito de drogas, não muito relevante. Mas agora é o principal ponto de origem do tráfico de cocaína para a Europa e provavelmente para o Brasil. Os cartéis mexicanos e a máfia albanesa estão presentes nas gangues locais. O crime organizado controla as prisões e penetrou nas forças públicas. Ainda não chegamos ao nível da Colômbia dos anos 1990, mas estamos perto de ser um Estado que fracassou.

A direita brasileira culpa Rafael Correa pelo ataque. Sergio Moro disse que “no passado, Villavicencio denunciou a corrupção do governo de Correa e, atualmente, defende o rigor contra o narcotráfico”. Como você reage a isso?

A direita brasileira, assim como a equatoriana, é desonesta. Villavicencio foi um dos principais responsáveis ​​pelo lawfare no Equador, um dos mais agressivos da América Latina. Muitas de suas denúncias foram sem qualquer apoio jurídico ou francamente fantasiosas. Por exemplo, acusou Rafael Correa de forjar um sequestro em 2011, quando o mundo inteiro viu que um levante policial tentou matar o presidente.

Villavicencio foi o autor do maior fiasco jornalístico até agora neste século, quando em 2018 o The Guardian publicou que Paul Manafort, gerente de campanha de Donald Trump, visitou a Embaixada do Equador em Londres. Isso deslegitima seu trabalho, sobre o qual também pode haver denúncias reais.

Independentemente das diferenças políticas, agora sua família e seus apoiadores merecem solidariedade e, acima de tudo, justiça e verdade.