Diretor da CIA mandou governo Bolsonaro parar de questionar eleições no Brasil

Atualizado em 5 de maio de 2022 às 10:40
William J. Burns, ao centro, reuniu-se com o presidente Jair Bolsonaro e ministros em julho passado. Foto: Reprodução/Redes sociais Alexandre Ramagem

O diretor da CIA (Agência Central de Inteligência dos EUA) disse no ano passado, em conversa com integrantes do governo brasileiro, que o presidente Jair Bolsonaro (PL) deveria parar de levantar dúvidas sobre o sistema de votação de seu país antes das eleições de outubro. A informação é da Reuters.

De acordo com duas pessoas familiarizadas com o assunto, que falaram sob condição de anonimato, os comentários vieram do diretor da CIA, William Burns, em uma reunião íntima a portas fechadas em julho de 2021. Burns foi, e continua sendo, o mais importante funcionário do governo dos EUA a se reunir em Brasília com o governo Bolsonaro desde a eleição do presidente dos EUA, Joe Biden.

Uma terceira fonte em Washington confirmou que uma delegação liderada por Burns disse aos principais assessores de Bolsonaro que o presidente deveria parar de minar a confiança no sistema eleitoral do Brasil. Essa fonte não tinha certeza se o próprio diretor da CIA havia expressado a mensagem.

A CIA se recusou a comentar o caso e o gabinete de Bolsonaro não respondeu ao contato da reportagem.

Burns chegou a Brasília seis meses depois do ataque de 6 de janeiro ao Capitólio, após a derrota eleitoral do ex-presidente dos EUA, Donald Trump.

Bolsonaro, um nacionalista de extrema direita que idolatra Trump, ecoou as alegações infundadas de fraude do ex-líder norte-americano nas eleições de 2020. Ele também lançou dúvidas semelhantes sobre o sistema de votação eletrônica do Brasil, chamando-o de passível de fraude, sem fornecer provas.

Isso levantou temores entre seus oponentes de que o chefe do Executivo brasileiro, que aparece atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas pesquisas de opinião, esteja semeando dúvidas para seguir o exemplo de Trump, rejeitando sua possível derrota no pleito de 2 de outubro.

Em várias ocasiões, ele aventou a ideia de não aceitar os resultados e atacou repetidamente o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Na semana passada, em seu último ataque, o ex-capitão do Exército sugeriu que os militares deveriam realizar sua própria contagem paralela de votos ao lado do tribunal.

Duas das fontes alertaram para uma potencial crise institucional se Bolsonaro perder por uma margem estreita, com escrutínio focado no papel das Forças Armadas do Brasil, que governaram o país durante um governo militar de 1964 a 1985 que Bolsonaro celebra.

Durante sua viagem não anunciada, Burns, diplomata de carreira indicado por Biden no ano passado, se encontrou no Palácio do Planalto com Bolsonaro e dois assessores de inteligência – o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, e Alexandre Ramagem, então chefe da Abin (Agência Brasileira de Inteligência).

Burns também jantou na residência do embaixador dos EUA com Heleno e o então chefe de gabinete de Bolsonaro, Luiz Eduardo Ramos, ambos ex-generais. As Forças Armadas do Brasil têm historicamente mantido laços estreitos com a CIA e outros serviços de inteligência norte-americanos.

No jantar, segundo uma das fontes, Heleno e Ramos procuraram amenizar as repetidas alegações de Bolsonaro de fraude eleitoral. Em resposta, Burns disse a eles que o processo democrático era sagrado e que o presidente não deveria estar falando dessa maneira.

“Burns estava deixando claro que as eleições não eram um assunto com o qual eles deveriam mexer”, disse a fonte, que não está autorizada a falar publicamente. “Não foi uma palestra, foi uma conversa.”

É incomum que diretores da CIA entreguem mensagens políticas, ainda segundo as fontes. Mas Biden capacitou Burns, um dos mais experientes diplomatas dos EUA, a ser um porta-voz discreto da Casa Branca.

No mês passado, por exemplo, Burns disse em um discurso público que em novembro, quatro meses depois de visitar Brasília, Biden o despachou a Moscou “para transmitir diretamente a Putin e vários de seus assessores mais próximos a profundidade de nossa preocupação com seu planejamento para a guerra e as consequências para a Rússia”.

O teor de seus comentários em Brasília foi reforçado no mês seguinte à sua viagem, quando o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, visitou Bolsonaro e levantou preocupações semelhantes sobre minar a confiança nas eleições. No entanto, a mensagem da delegação de Burns foi mais forte que a de Sullivan.

“É importante que os brasileiros tenham confiança em seus sistemas eleitorais”, disse um funcionário do Departamento de Estado dos EUA, acrescentando que o país estava confiante nas instituições brasileiras, incluindo eleições livres, justas e transparentes.

No sábado, entretanto, em um novo sinal de inquietação entre alguns membros da política externa de Washington, o mais recente cônsul dos EUA no Rio escreveu em um jornal brasileiro que os Estados Unidos deveriam deixar claro para o mandatário da República que qualquer esforço para minar as eleições desencadearia negociações multilaterais.

Biden e Bolsonaro ainda não se falaram.

Durante a campanha presidencial dos EUA em 2020, os dois entraram em conflito devido ao histórico ambiental do ex-capitão, que foi um dos últimos líderes mundiais a reconhecer a vitória de Biden sobre Trump.

Autoridades em Washington têm procurado melhorar os laços com Brasília nas últimas semanas, e os presidentes das duas nações podem se encontrar pessoalmente em breve se Bolsonaro participar da Cúpula das Américas, que será realizada em junho, em Los Angeles.