Diretora de agência se recusa a deixar governo Trump após anúncio de demissão

Atualizado em 28 de agosto de 2025 às 12:51
Susan Monarez, chefe dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA — Foto: Kayla Bartkowski / GETTY IMAGES

A crise na saúde pública dos Estados Unidos ganhou novo capítulo nesta semana com o impasse entre Susan Monarez, diretora dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), e o secretário de Saúde, Robert F. Kennedy Jr. Nomeada por Donald Trump há menos de um mês e confirmada pelo Senado, Monarez teve sua demissão anunciada por Kennedy. A médica, no entanto, se recusa a deixar o cargo, alegando que apenas o presidente tem autoridade para removê-la.

Segundo seus advogados, Monarez não apresentou renúncia nem recebeu notificação oficial da Casa Branca. Em comunicado, afirmaram que ela “não abrirá mão do cargo por ser uma profissional íntegra e comprometida com a ciência”. A defesa acusa Kennedy de usar a saúde pública como instrumento político e de pressionar a diretora a aprovar diretrizes “imprudentes e pouco científicas” relacionadas à política de vacinação.

O Departamento de Saúde chegou a divulgar nota agradecendo os serviços de Monarez e confirmando sua saída. Entretanto, especialistas jurídicos ressaltam que, por ter sido aprovada pelo Senado, sua exoneração só poderia ser feita pelo presidente. Mark Zaid, um de seus advogados, classificou a medida como “juridicamente deficiente”. A Casa Branca, por sua vez, sinalizou que Monarez não estaria alinhada com a agenda de Trump de “fazer os Estados Unidos voltarem a ser saudáveis”.

Robert F. Kennedy Jr. e Donald Trump (AP Photo/Alex Brandon)

O conflito se intensifica em um momento de instabilidade dentro do CDC. Nas últimas semanas, quatro líderes da agência renunciaram: Debra Houry, referência no combate à crise dos opioides; Demetre Daskalakis, responsável por políticas de vacinação; Daniel Jernigan, especialista em segurança vacinal; e Jennifer Layden, que comandava a área de ciência estratégica. Em suas cartas de despedida, criticaram a “instrumentalização da saúde pública”.

Essas saídas coincidem com um episódio violento que aumentou a tensão na agência. Um atirador disparou contra a sede do CDC em Atlanta, matando um policial e provocando pânico entre os servidores. Funcionários acusaram Kennedy de não se pronunciar de imediato e ligaram o ataque à retórica do secretário, conhecido por seu histórico de questionamentos sobre vacinas. Servidores divulgaram carta aberta pedindo o fim da disseminação de desinformação.

Relatos internos também apontam que Kennedy pressionou Monarez a renunciar em reuniões privadas. Em uma delas, teria exigido que ela demitisse parte da cúpula da agência até o fim da semana. A recusa levou o secretário a acusá-la de ser “informante” e anunciar que pediria sua saída. Ao resistir, Monarez buscou apoio do senador republicano Bill Cassidy, presidente da comissão de saúde, o que teria acirrado ainda mais a disputa.

Esse embate ocorre em paralelo a outras movimentações do governo Trump. No dia anterior, o presidente anunciou a demissão de Lisa Cook, diretora do Conselho de Governadores do Federal Reserve, decisão também contestada judicialmente por envolver uma autoridade protegida por mandatos legais. A sucessão de episódios indica uma ofensiva contra instituições com autonomia em relação ao Executivo.

Desde que assumiu o cargo, Kennedy promove uma reviravolta na política de vacinação, contrariando consensos científicos. Ele nomeou um crítico das vacinas contra Covid-19 para liderar um subcomitê sobre segurança de imunizantes e autorizou verbas para pesquisas sobre uma suposta relação entre vacinas e autismo, hipótese rejeitada por décadas de estudos. A postura tem causado indignação na comunidade científica e alimentado a crise de confiança no sistema de saúde.

O impasse sobre a permanência de Susan Monarez ainda não foi resolvido. Enquanto seus advogados sustentam que apenas Trump pode formalizar sua saída, a Casa Branca evita esclarecer se o presidente fará o anúncio. A disputa jurídica e política deve se arrastar, em um momento em que a saúde pública americana enfrenta desafios críticos e a agência responsável por coordenar respostas nacionais vive sob forte instabilidade.

Davi Nogueira
Davi tem 25 anos, é editor e repórter do DCM, pesquisador do Datafolha e bacharel em sociologia pela FESPSP, além de guitarrista nas horas vagas.