Disputas políticas e por poder foram o norte da Lava Jato ao longo dos anos. Por Gabriela Coelho

Atualizado em 22 de julho de 2019 às 16:26

Publicado na ConJur

Procuradores da Operação Lava Jato

POR GABRIELA COELHO

Os absurdos da “lava jato” vão além das relações promíscuas entre o então juiz Sergio Moro e os procuradores responsáveis pela operação. Politicagem e disputa entre poderes também fazem parte desses anos de “combate à corrupção” embutida na força-tarefa curitibana.

A “lava jato” começou em 2014. Em cinco anos, quem acompanha a operação desde o início já percebeu que houve uma série de ilegalidades cometidas ao longo do tempo. Um dos objetivos da operação, por exemplo, era subjugar o Judiciáro por meio da Procuradoria-Geral da República.

Em 2017, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento das delações premiadas da JBS decidiu que o Plenário só pode rever delação se houver descumprimento do acordo. Segundo a corte, a revisão ou anulação das cláusulas do acordo só pode ser feita se acontecer algo que justifique o ajuizamento de ação rescisória, nos termos do Código de Processo Civil.

Na ocasião, o ministro Gilmar Mendes, do STF, chegou a afirmar que estava em formação um quadro que permite que o processo penal domine o jogo político. “Complementados pelo tapetão eleitoral costurado pela lei da ficha limpa, as investigações de maxicriminalidade das classes políticas e empresarial dão ao Ministério Público o poder de definir os rumos políticos do país; basta abrir um inquérito sem controle”, diz.

Já em 2017 o ministro defendia que tinha sido criado um tipo de “Direito Penal de Curitiba”, que não respeita a lei. “E, portanto, torna-se impossível o controle da legalidade. Pouco importa o que a Corte venha a decidir, porque certamente isso será mudado daqui a pouco, tendo em vista as más práticas que se desenvolveram”, afirma.

Força Constituinte

Segundo Gilmar, em nenhum dos acordos de colaboração da “lava jato” foram convencionados os benefícios previstos na lei. Em uma sessão de junho do mesmo ano, o ministro chegou a dizer que os acordos de delação premiada firmados na operação “lava jato” são, em sua maioria, ilegais. Os documentos, criticou o ministro, inauguraram um novo Direito Penal no Brasil, como se tivessem força constituinte.

Na ocasião, em resposta ao argumento de outros integrantes da corte, de que o tribunal não poderia rever benefícios negociados pelo Ministério Público, porque geraria insegurança jurídica, ele lembrou que o STF já julgou até mesmo a validade de acordos internacionais, não sendo o MP imune ao controle do Supremo.

Denúncias contra o STJ

Além disso, houve diversas acusações sobre ministros do Superior Tribunal de Justiça. Investigações, em sua maioria sem futuro, movidas contra pessoas que não serão acusadas de nada, mas que, para demonstrar a própria inocência, teriam que produzir prova negativa.

No caso dos dois investigados do STJ, ministros Francisco Falcão e Marcelo Navarro, eles foram acusados de obstrução de justiça. Na prática, não houve um fato relevante, e eles responderam a inquérito durante anos. Na ocasião, o ministro Gilmar Mendes afirmou que o inquérito tinha a função apenas de inibir.

“O STJ, até meados de 2017, não tinha concedido um habeas corpus na matéria da ‘lava jato’. Esse era o objetivo! Vejam que forma covarde de lidar com o Judiciário! É preciso repudiar claramente esses métodos totalitários! Alguém tem dúvida de que esse inquérito será encerrado, de que não tem futuro?”, questionou Gilmar Mendes em um julgamento.

Vazamentos Exaustivos

Outro ponto bastante criticado é em relação a vazamentos. A preocupação em produzir volume de investigações, com ou sem futuro, parece ter se tornado um dos objetivos do grupo de trabalho da PGR.

Em diversas ocasiões, como é sabido no meio, o ministro falecido Teori Zavascki reclamava de vazamentos ligados a operação “lava jato”. Pelos bastidores, o ministro se dizia incomodado com os vazamentos. Ele afirmava que todos tiveram casos que chegaram antes ao Jornal Nacional do que aos  gabinetes, que considerava mais grave, tendo em vista a perspectiva de o Direito Penal desequilibrar o jogo político.

Discussão Aprofundada

Em março de 2019, ministro Gilmar Mendes aprofundou a discussão contra procuradores da “lava jato” em sessão da corte. Mendes chamou o procurador Deltan Dallagnon, chefe da “lava jato”, de “gangster”. “Isso não é método de instituição, é método de gângster. Isso é uma disputa de poder em que se quer amedrontar as pessoas. Fantasmas e assombração aparecem para quem neles acredita”, disse o ministro.

Mendes se baseou na criação de um fundo eleitoral para atacar e amedrontar os outros poderes. “O que se pensou com essa fundação do Deltan Dallagnol foi criar um fundo eleitoral. Era para isso. Imagina o poder. Imagina quantos blogs teriam, quanta coisa teria a disposição. Veja a injustiça, veja a ousadia desse tipo de gente”, disparou.

A fundação em questão iria surgir do litígio entre Petrobras e os Estados Unidos. Acusada pelo Tio Sam de fraudar o mercado de ações, a empresa teria que pagar taxas milionárias ao país. Em vez disso, fez um acordo no qual esse dinheiro seria investido na criação de uma fundação no Brasil, com o objetivo de organizar atividades anticorrupção.

Tramitação

Desde o início da “lava jato”, o Supremo julgou duas ações penais. Em uma, a senadora e presidente do PT Gleisi Hoffman, foi absolvida. Na outra, o deputado Nelson Meurer (PP-PR) foi condenado a 13 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro.

Das centenas de inquéritos instaurados, há 59 em aberto na corte, sendo dois instaurados em 2019. Os inquéritos resultaram em 24 denúncias até o momento. Dessas, 15 foram examinadas pelo Supremo, que converteu nove em ações penais, e rejeitou outras seis. O ano de 2019 foi o que o Supremo mais declinou competência dos inquéritos a outras instâncias, 16.