Os ecos da eugenia nazista e de pseudociência do século 19 na dissertação de mestrado de Osmar Terra

Atualizado em 22 de junho de 2021 às 11:13
Osmar Terra e Bolsonaro

Após ser demitido do cargo de ministro da Cidadania, o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) ganhou um papel como articulador do grupo de médicos conhecido como “ministério paralelo da Saúde”.

Terra é chamado de “padrinho” no vídeo que mostra os médicos negacionistas aconselhando o presidente a não comprar vacinas contra a covid-19. Em um trecho da gravação, ele orienta Bolsonaro a ignorar os efeitos nocivos da hidroxicloroquina no coração.

Desde os primeiros casos de covid no Brasil, o parlamentar tem espalhado uma montanha de fake news, com declarações que minimizam a gravidade da doença. Ele chegou a afirmar, em março de 2020, que o vírus iria embora do Brasil em três meses.

Já no início deste ano, sugeriu que toda a população contraia o coronavírus para atingirmos a “imunidade de rebanho” mais rapidamente.

Não é só burrice. A agenda obscurantista é uma marca da “carreira” de Osmar Terra.

Em 2008, quando era aluno de mestrado em neurociência pela PUC-RS, ele tentou fazer uma pesquisa que tinha como objetivo investigar o cérebro de 50 adolescentes homicidas.

Seriam selecionados internos da Fase, a antiga Febem gaúcha, para serem usados como cobaias no experimento, que envolveria exames como ressonância magnética e amostragens genéticas. A maioria dos detentos da Fase é de negros e pardos.

O projeto foi barrado após ser denunciado por um grupo de mais de cem pessoas, composto por psicólogos, advogados, antropólogos e educadores, que o compararam a “práticas de extermínio”, num abaixo-assinado acompanhado de uma nota de repúdio.

Osmar Terra publicou no ano seguinte sua dissertação de mestrado, trazendo a teoria de que indivíduos com “comportamento violento e anti-social” apresentam uma grande quantidade de “anormalidades cerebrais, estruturais e funcionais”.

Ele diz reprovar a ideia estabelecida pelo “senso comum” de que a violência é fruto da miséria e da desigualdade. A violência e a criminalidade se originariam de aspectos biológicos do ser humano, e não sociais.

No resumo, Terra declara procurar “encontrar a comparação de imagens cerebrais de pessoas violentas com não-violentas”. No entanto, não pretendia fazer experimentos com os “não-violentos”.

“Para ser uma pesquisa cientificamente relevante, ele deveria testar da mesma forma uma população inteira”, afirma a médica infectologista Flor Ernestina Martínez.

“Ao associar neuroimagem com violência e agressividade, o deputado imaginava que isto se transformasse numa política de saúde pública, para manter sob vigilância as pessoas que tivessem alterações nos exames”.

O ex-ministro cita uma pesquisa que mostra “um alto grau de reincidência dos apenados que cometiam crimes violentos, e uma elevada proporção de parentesco entre os apenados em geral, e mesmo entre eles e os meninos da Fase”.

Segundo a infectologista, esse trecho “sugere que há relação genética na violência. Esta associação penaliza as pessoas que têm familiares com histórico de condutas antissociais e estimula o preconceito”.

Há ecos da frenologia do início do século 19, pseudociência que pregava que o comportamento criminoso se originava da organização defeituosa do cérebro, evidenciada na forma do crânio.

O anatomista alemão Franz Joseph Gall afirmou ter identificado “órgãos” cerebrais super ou subdesenvolvidos que davam origem a um caráter específico: o órgão da destrutividade, da cobiça e assim por diante, reconhecíveis por calombos na cabeça.

O “mapa frenológico do cérebro”, segundo Franz Joseph Gall

A frenologia influenciou o direito penal nos Estados Unidos e na Europa e costumava ser usada para sustentar estereótipos raciais.

Em 1876, o psiquiatra Cesare Lombroso, considerado o pai da antropologia criminal, tentou demonstrar que bandidos violentos eram seres humanos menos evoluídos, identificáveis ​​por características físicas de macacos.

O movimento eugênico transformou essas hipóteses em perseguição e morte.

Na Alemanha Nazista, pacientes psiquiátricos e pessoas com doenças mentais eram sistematicamente assassinados. Muitos tiveram os cérebros enviados para um instituto de pesquisa em Berlim, onde foram usados para fins de pesquisa durante e depois da Segunda Guerra Mundial.

Terra escreve o seguinte: “O mau funcionamento do cérebro e da mente (…) pode predispor uma parcela da população às alterações comportamentais maiores. Isso leva à manifestação de condutas anti-sociais com mais frequência, abrindo caminho para a violência física extrema.”

De acordo com o médico sanitarista e ex-diretor da Anvisa Cláudio Maierovitch, o ex-ministro de Bolsonaro pensa que os homicidas “são natualmente maus e têm uma conformação biológica que os leva a cometer delitos, ignorando todo o contexto social que leva uma pessoa a entrar para a vida do crime.”

Maierovitch ressalta que “encontrar conexões entre comportamento e estrutura do cerébro tem sido um caminho muito frustrante para pesquisadores.”

Osmar Terra tenta ressuscitar teorias pré-lombrosianas, enterradas há muitos anos, ao alegar que a morfologia do sistema nervoso central estaria relacionada à conduta do indivíduo.

O trabalho dele nada mais é do que uma pesquisa de revisão sistemática, um estudo de dados secundários que levanta várias produções existentes sobre esse tema.

De acordo com a doutora Flor Martínez, uma revisão sistemática “não usa fonte primária de dados. Terra faz uma análise sobre vários manuscritos que estudam exposições similares e desfechos similares. Não pode ser, então, caracterizado como um estudo que requer ser aprovado por um CEP (Comitê de Ética em Pesquisa).”

“Para ser aprovado, seria necessário demonstrar que o beneficio de desenvolver este estudo seria maior que o risco que representaria para o participante da pesquisa. O que predomina é o risco de constrangimento ou de preconceito entre pessoas com alterações nos exames de neuroimagem”, diz a infectologista.

Na conclusão do trabalho, o próprio deputado reconhece não ter conseguido provar que o comportamento violento tem alguma relação com fatores morfológicos do cérebro.

“Devido à heterogeneidade dos trabalhos analisados, foi difícil estabelecer padrões e generalizar informações sobre alterações cerebrais, detectadas pelos exames de neuroimagem”, diz ele.

Esse é o homem que tem orientado o presidente Jair Bolsonaro na gestão do combate à pandemia.

No “Instituto Kaiser Wilhelm de Antropologia, Genética Humana e Eugenia” um “higienista” racial mede os traços fisionômicos de uma mulher