
A disparada da inadimplência no agronegócio acendeu um alerta no Banco do Brasil, principal financiador do setor no país. No segundo trimestre deste ano, a instituição registrou R$ 12,73 bilhões em atrasos superiores a 90 dias — o maior nível já visto entre produtores rurais em toda a série histórica do banco. O impacto foi direto no resultado: o lucro caiu 60% no período. Com informações do UOL.
“É o maior nível de inadimplência já visto no agro na história do Banco do Brasil”, afirmou a presidente do banco, Tarciana Medeiros.
Mais da metade desse montante (52%) está concentrada em clientes do Sul e do Centro-Oeste. Em meio à dificuldade para pagar as parcelas, cresce o número de produtores recorrendo à recuperação judicial — já são 808 clientes monitorados, com dívidas de R$ 5,4 bilhões nesse estágio (nem todo o valor entrou no balanço, pois parte ainda não venceu).
O que está levando produtores à recuperação judicial?
Dos R$ 12,73 bilhões em atraso, R$ 2,27 bilhões correspondem a produtores que já entraram com pedidos de recuperação judicial. Em tese, esse mecanismo deveria ser usado como último recurso para evitar a falência, congelando as cobranças por 180 dias (“stay period”) para viabilizar a reorganização financeira.
Na prática, porém, especialistas alertam para uma distorção: há casos em que escritórios de advocacia incentivam produtores a pedir recuperação judicial como um “instrumento de barganha” para obter descontos de 20% a 70%, carências de dois anos e prazos de até dez anos para pagar dívidas — mesmo sem crise financeira real.
“Isso fere o escopo da lei e prejudica a credibilidade do instrumento”, critica o advogado Marcelo Winter. Já a juíza Daniela Muller, presidente da Amatra 1, diz que a ferramenta “não pode servir para livrar empresários de dívidas trabalhistas”.
O aumento dos pedidos preocupa
Dados da Serasa Experian mostram que os pedidos de recuperação judicial no agro subiram 45% no 1º trimestre de 2025, na comparação anual. Segundo Marcelo Pimenta, diretor da Serasa, o avanço é motivado por “custos altos, prazos longos, maior exigência de garantias e dificuldades na rolagem das dívidas”.
Conhecido como “indústria da recuperação judicial”, o fenômeno chamou atenção de Carlos Aguiar, diretor de agronegócio do Santander, durante a Agrishow deste ano. Segundo ele, há escritórios que “enriquecem advogados enquanto empobrecem o produtor”.

Caso Safras acende alerta
O grupo Safras, de Mato Grosso, tornou-se um exemplo emblemático ao solicitar recuperação judicial com dívida de R$ 2 bilhões.
A Justiça suspendeu o processo após identificar irregularidades — inclusive a inclusão de supostos “produtores rurais” que não se enquadravam como tal. Especialistas consideram que o caso foi um recado ao mercado: “não é qualquer pedido que deve ser aceito”.
E agora?
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já instalou uma comissão especial para avaliar o uso da recuperação judicial no campo. Enquanto isso, o setor discute alternativas de financiamento mais sustentáveis — como as agfintechs, que conectam produtores ao mercado de capitais.
“O agro precisa inovar no acesso ao dinheiro, como alternativa ao Plano Safra. É a ponte entre o campo e a Faria Lima”, avalia Henrique Galvani, da Arara Seed.