
O documentário “Cazuza além da música”, sucesso da GloboPlay, dedica um de seus capítulos a esmiuçar um dos maiores vexames da história do jornalismo brasileiro: a capa da Veja com o artista.
Em abril de 1989, a revista fez um perfil do cantor com a imortal chamada “Uma vítima da Aids agoniza em praça pública”. A repórter Angela Abreu e o editor Alessandro Porro, chefe da sucursal no Rio de Janeiro, foram responsabilizados, injustamente, por uma reportagem sensacionalista e abjeta. Cazuza foi enterrado em vida.
O texto o retratava como um drogado promíscuo. Descia a detalhes sobre a maneira como ele evacuava e falava de suas escaras. Cazuza, lia-se, não tinha o talento de Noel Rosa, morto aos 26 anos. Ambos só tinham em comum a vida igualmente dissoluta.
No filme, Zeca Camargo lê trechos dessa peça, ainda chocantes pela torpeza. A edição se esgotou nas bancas em horas.

Quando recebeu a revista pelas mãos do pai, João Araújo, Cazuza começou a chorar, teve uma queda de pressão e precisou ser levado a uma clínica no Rio de Janeiro. Araújo foi atrás de Alessandro Porro fez uma tocaia em frente a seu apartamento. Por pouco não atira no sujeito. Cazuza morreria meses depois.
Se tivesse conseguido seu intento, Araújo teria atingido o homem errado. A diretora Patrícia Guimarães conta quem é o verdadeiro autor daquele lixo: Mario Sergio Conti, à época redator-chefe da Veja (o diretor de redação era o falecido José Roberto Guzzo, que se tornaria um ídolo do bolsonarismo em sua reencarnação na revista Oeste).
Há uma revelação especialmente sórdida: Mario Sergio foi ao enterro de Cazuza e cumprimentou a mãe, Lucinha Araújo. “Ele estava lá, todo pesaroso”, diz Angela — que pediu demissão ao ver o que fizeram com sua apuração.
Mario Sergio se recusou a dar entrevista para a produção, covarde que é. Mas pode ser visto semanalmente em seu programa na GloboNews, “Diálogos”.
Seus colegas e seus chefes sabem que trabalham com um serial killer da ética jornalística, mas nunca farão nada porque ele tem costas quentes.