Documentos indicam coordenação irregular entre BC e Justiça na liquidação do Banco Master

Atualizado em 30 de dezembro de 2025 às 7:05
Daniel Vorcaro, dono do Banco Master. Foto: reprodução

Documentos obtidos pelo site Bastidor revelam indícios de que o Banco Central atuou de forma irregular na liquidação do Banco Master e manteve articulação sem respaldo legal com o juiz federal de Brasília responsável por autorizar a Operação Compliance Zero. As informações levantam dúvidas consistentes sobre a natureza das decisões tomadas e sobre a separação entre a esfera administrativa e a criminal no caso.

A reportagem teve acesso a peças centrais tanto do processo interno do Banco Central quanto do inquérito da Compliance Zero, conduzido pela Polícia Federal e pela Procuradoria da República no Distrito Federal. A investigação apurava suspeitas de irregularidades em operações de crédito envolvendo o Banco Master e o Banco de Brasília (BRB), cuja exposição às carteiras questionadas chegou a R$ 12,77 bilhões.

A leitura cronológica e lógica dos documentos sugere que a liquidação do Master resultou de uma decisão de caráter político, e não exclusivamente técnico. As evidências colocam em xeque a atuação da autoridade monetária em todas as etapas do caso: da identificação das supostas irregularidades à rejeição de alternativas de mercado, passando pela análise da venda do banco e culminando na decretação da liquidação, com efeitos severos sobre o sistema financeiro.

A sobreposição temporal entre o avanço do inquérito criminal e os atos administrativos do Banco Central aponta uma sequência atípica de eventos. A prisão de Daniel Vorcaro, controlador do banco, ocorreu praticamente no mesmo intervalo em que decisões importantes foram tomadas pela autarquia. A coincidência é tamanha que se torna difícil explicar as medidas adotadas sem algum nível de coordenação prévia entre as autoridades — algo que não encontra previsão na legislação brasileira.

Essa versão contrasta com o discurso oficial, segundo o qual o Banco Central teria seguido critérios estritamente técnicos do início ao fim. O presidente da instituição, Gabriel Galípolo, afirmou publicamente que houve observância de um “gabarito” no tratamento do caso. Os documentos, porém, apresentam outra narrativa.

O ponto mais sensível envolve o dia 17 de novembro de 2025. Naquela manhã, Vorcaro participou de uma videoconferência com dirigentes da área de fiscalização do Banco Central para comunicar a venda do Master ao Grupo Fictor, operação que previa aporte de R$ 3 bilhões e a transferência do controle do banco. Horas depois, o juiz da 10ª Vara Federal do Distrito Federal autorizou sua prisão preventiva. Pouco tempo após essa decisão, o processo interno do Banco Central, que estava sem movimentação havia quase um mês, passou a receber novos documentos em sequência, sem qualquer menção à proposta de venda apresentada naquele mesmo dia.

Antes mesmo de a prisão ser efetivada, o juiz encaminhou ofício ao Banco Central tratando a detenção dos diretores como fato consumado e solicitando providências administrativas. O gesto reforça a percepção de que havia um cronograma conhecido de antemão pelas instituições envolvidas.

Gabriel Galípolo, presidente do Banco Central. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Naquela mesma noite, os advogados do Banco Master protocolaram formalmente no Banco Central todos os documentos relativos à transferência de controle para o Grupo Fictor. A proposta se enquadrava nas alternativas previstas em lei, que obrigam a autoridade monetária a avaliar medidas menos gravosas do que a liquidação, como capitalização, reorganização societária ou mudança de controle. Ainda assim, não há registro de análise dessa solução.

A legislação brasileira estabelece que a liquidação extrajudicial é a medida mais extrema e deve ser adotada apenas quando inexistem alternativas viáveis. No caso do Master, havia uma proposta concreta de mercado, com investidores identificados e aporte expressivo de recursos, capaz de resolver a crise de liquidez e afastar o controlador. Segundo os documentos disponíveis, essa alternativa foi ignorada.

A escolha pela liquidação, além de aprofundar perdas para credores e investidores, abre espaço para a aquisição de ativos a preços depreciados. Nesse mercado específico, destaca-se o histórico de operações conduzidas por grandes bancos de investimento que costumam se beneficiar de processos dessa natureza. No caso do Master, documentos indicam que a defesa da liquidação sempre contou com apoio interno no Banco Central, inclusive de diretores ligados a decisões semelhantes em episódios anteriores do sistema financeiro.