Documentos mostram pressão dos EUA para derrubar Imran Khan no Paquistão

Atualizado em 10 de agosto de 2023 às 9:11
Ex-primeiro Ministro do Paquistão, Imran Khan. (Foto: Reprodução)

O Departamento de Estado dos EUA encorajou o governo paquistanês em uma reunião ocorrida em 7 de março de 2022 a remover Imran Khan como primeiro-ministro por causa de sua neutralidade na invasão russa da Ucrânia. O telegrama confidencial do governo paquistanês foi obtido pelo site de jornalismo investigativo The Intercept.

A reunião, entre o embaixador do Paquistão nos EUA e dois funcionários do Departamento de Estado, foi objeto de controvérsia e especulação no Paquistão no último ano e meio, enquanto apoiadores de Khan e seus oponentes militares e civis disputavam o poder. A briga se se intensificou em 5 de agosto, quando Khan foi condenado a três anos de prisão por acusações de corrupção e detido pela segunda vez desde sua deposição. Apoiadores de Khan consideram as acusações infundadas. A sentença também impede Khan, político mais popular do Paquistão, de disputar as eleições previstas para o final de 2023.

Um mês após a reunião com autoridades dos EUA documentada no documento vazado do governo paquistanês, um voto de desconfiança foi realizado no Parlamento, levando à remoção de Khan do poder. Acredita-se que a votação tenha sido organizada com o apoio dos militares do Paquistão. Desde aquela época, Khan e seus partidários estão envolvidos em uma luta com os militares e seus aliados civis, que Khan afirma terem planejado sua remoção do poder a pedido dos EUA.

O texto do telegrama paquistanês, produzido a partir do encontro pelo embaixador e transmitido ao Paquistão, não foi publicado anteriormente. O telegrama, conhecido internamente como “cifra”, revela tanto incentivos e ameaças que o Departamento de Estado utilizou em sua pressão contra Khan, prometendo relações mais calorosas se Khan fosse removido e isolamento se Khan não fosse deposto.

O documento, rotulado como “secreto”, inclui um relato da reunião entre funcionários do Departamento de Estado, incluindo o secretário de Estado adjunto do Bureau de Assuntos da Ásia Central e do Sul, Donald Lu, e Asad Majeed Khan, que na época era embaixador do Paquistão nos EUA. O documento foi fornecido ao The Intercept por uma fonte anônima do exército paquistanês, que disse não ter vínculos com Imran Khan ou com o partido de Khan.

No telegrama, os EUA se opõem à política externa de Khan na guerra da Ucrânia. Essas posições foram revertidas após seu afastamento, que foi seguido, como prometido na reunião, por um aquecimento nas relações entre EUA e Paquistão. A reunião ocorreu duas semanas após a invasão russa da Ucrânia, que começou quando Khan estava a caminho de Moscou, uma visita que enfureceu Washington.

Em resposta a uma pergunta do senador Chris Van Hollen sobre uma recente decisão do Paquistão de se abster de uma resolução das Nações Unidas condenando o papel da Rússia no conflito, Lu disse: “O primeiro-ministro Khan visitou Moscou recentemente e estamos tentando descobrir como nos envolver com o primeiro-ministro após essa decisão.” Van Hollen parecia indignado com o fato de os funcionários do Departamento de Estado não terem se comunicado com Khan sobre o assunto.

O senador estadunidense, Chris Van Hollen. (Foto: Reprodução)

De acordo com o documento, Lu falou abertamente sobre o descontentamento de Washington com a posição do Paquistão no conflito. O documento cita Lu dizendo que “as pessoas aqui e na Europa estão bastante preocupadas com o motivo pelo qual o Paquistão está adotando uma posição neutra (em relação à Ucrânia), se é que tal posição é possível. Lu acrescentou que manteve discussões internas com o Conselho de Segurança Nacional dos EUA e que “parece bastante claro que esta é a política do primeiro-ministro”.

Questionado sobre as citações de Lu no telegrama paquistanês, o porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller, disse: “Nada nesses supostos comentários mostra que os Estados Unidos estão se posicionando sobre quem deve ser o líder do Paquistão”. Miller disse que não comentaria discussões diplomáticas privadas.

A discussão foi concluída, segundo o documento, com o embaixador paquistanês expressando sua esperança de que a questão da guerra Rússia-Ucrânia não “impactasse nossos laços bilaterais”. Lu disse a ele que o dano era real, mas não fatal, e com a saída de Khan, o relacionamento poderia voltar ao normal. No dia seguinte à reunião, em 8 de março, os oponentes de Khan no Parlamento avançaram com uma etapa processual fundamental em direção ao voto de desconfiança.

Nos últimos meses, o governo liderado pelos militares reprimiu não apenas os dissidentes, mas também os suspeitos de vazamentos dentro de suas próprias instituições, aprovando uma lei na semana passada que autoriza buscas sem mandado e longas penas de prisão para denunciantes. Abalados pela demonstração pública de apoio a Khan – expressa em uma série de protestos e tumultos em massa em maio – os militares também aumentaram o próprio poder, reduzindo drasticamente as liberdades civis.

Esses ataques abrangentes à democracia passaram despercebidos pelas autoridades americanas. No final de julho, o chefe do Comando Central dos EUA, general Michael Kurilla, visitou o Paquistão e emitiu um comunicado dizendo que sua visita tinha como objetivo “fortalecer as relações entre militares”, sem fazer nenhuma menção à situação política no país.

A remoção de Khan do poder depois de se desentender com os militares paquistaneses, a mesma instituição que se acredita ter engendrado sua ascensão política, lançou a nação de 230 milhões de habitantes em turbulência política e econômica. Os protestos contra a queda de Khan e a supressão de seu partido varreram o país, enquanto os atuais líderes do Paquistão lutam para enfrentar uma crise econômica desencadeada em parte pelo impacto da invasão russa da Ucrânia nos preços globais da energia. O caos atual resultou em taxas assombrosas de inflação e fuga de capitais do país.

Além do agravamento da situação para os cidadãos comuns, um regime de censura extrema também foi instituído sob a direção dos militares paquistaneses, com a proibição de mencionar o nome de Khan. Milhares cidadãos, a maioria partidários de Khan, foram detidos pelos militares, uma repressão que se intensificou depois que Khan foi preso no início de 2023 e mantido sob custódia por quatro dias, provocando protestos em todo o país. Surgiram relatos de tortura pelas forças de segurança, com relatos de várias mortes.

A repressão à imprensa do Paquistão tomou um rumo particularmente sombrio. Arshad Sharif, um importante jornalista paquistanês que fugiu do país, foi morto a tiros em Nairóbi em outubro do ano passado em circunstâncias ainda obscuras. Outro jornalista conhecido, Riaz Khan, foi detido pelas forças de segurança em um aeroporto em maio e não foi visto desde então.

Em novembro passado, o próprio Khan foi alvo de uma tentativa de assassinato ao ser baleado em um comício, em um ataque que o feriu e matou um de seus apoiadores. Sua prisão foi vista no Paquistão, inclusive entre opositores, como uma tentativa dos militares de impedir que seu partido vencesse as próximas eleições.

Khan sugeriu repetidamente em público que o telegrama ultrassecreto mostrava que os EUA haviam dirigido sua remoção do poder, mas posteriormente revisou sua avaliação ao instar os EUA a condenar os abusos dos direitos humanos contra seus apoiadores. A divulgação do telegrama, um ano após Khan ter sido deposto, finalmente permitirá que as reivindicações dele sejam avaliadas.

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