Doria e Alckmin incendeiam a cracolândia mais uma vez para faturar com o inferno. Por Mauro Donato

Atualizado em 11 de junho de 2017 às 11:36
Cracolândia, 11 de junho de 2017

No momento em que o Datafolha divulgava sua compilação de dados colhidos na ‘nova’ cracolândia e no qual fica-se sabendo que é por tristeza, solidão, traumas ou simples curiosidade que usuários fazem uso de crack (ou seja, mais uma pesquisa a revelar que o buraco é bem mais embaixo), a dobradinha Geraldo Alckmin e João Doria entrava atropelando mais uma vez o local em companhia da Polícia Militar, da Tropa de Choque e seus procedimentos terapêuticos.

Três semanas depois da ‘megaoperação’ na qual o prefeito declarou ter resolvido definitivemente o problema e decretado o fim da cracolândia – quando na realidade espalhou-o pela cidade e fez com que uma nova concentração se formasse a míseros 400 metros de distância da antiga – Doria vai e repete a dose.

Com os mesmo efeitos, obviamente. Nesta manhã fria de domingo, a Praça Isabel foi invadida pela polícia e os usuários correram imediatamente em todas as direções. A estação da Luz e o Minhocão são os locais que receberam os maiores grupos. Apenas dispersou novamente.

Presente na ação, o governador (em companhia de Doria), afirmou que era mais uma operação ‘bem planejada’ e que traficantes (2) e drogas (1,5 kg) haviam sido presos. A PM até o momento não confirma números.

Doria e Alckmin gostaram da brincadeira de invadir e tocar o terror respeitando alguns intervalos? “Isso não se resolve em 24 horas, é um trabalho permanente”, disse o governador. Permanente significa ataques semanais?

Se o propósito maior é realmente o de combate ao tráfico, por que não intensifica a vigilância 24 horas por dia em vez de deixar a coisa solta por semanas para então chegar atirando a torto e a direito?

A cracolândia já é o inferno de Dante no sentido figurado. Alckmin e Doria fazem com que seja também no sentido literal. As cenas de incêndios nas barracas e em todo entorno da praça se repetiram esta manhã.

Os métodos condenados por 100% dos especialistas entrevistados ou que estiveram opinando espontaneamente nas últimas semanas depois da desajuizada operação de 3 semanas atrás – que resultou inclusive nos pedidos de exoneração da secretária de Direitos Humanos e da coordenadora de Política de Drogas – são adotados religiosamente pelo prefeito e pelo governador.

Eles não aprendem, não querem resolver de verdade, ou estão agindo apoiados em dados de aprovação das violentas ações (internação compulsória incluída) emitidos pela parcela conservadora da população que nem mesmo tem familiaridade, nem familiares, com o tema? Pesquisa de opinião ou diagnósticos técnicos, qual dos dois vale mais para essa dupla?

A grande maioria do usuários que estão naquele degradante fluxo possuem alguma ocupação. 57% fazem o que chamam de bicos. Mas ninguém ali (ainda segundo o Datafolha) tem carteira assinada. Quase 70% são negros ou pardos e praticamente a metade não chegou ao ensino médio. Precisa ser muito inteligente para fazer a associação?

Já fiz a afirmação aqui. Quem mistura os combates ao tráfico e ao dependente com uma receita única não está interessado em resolver. Está agindo de acordo com a máxima já clássica de Tomasi di Lampedusa: ‘é preciso que tudo mude para que tudo fique como está’.