Doria quer transformar SP em Neverland, o parque de Michael Jackson. Por Mauro Donato

Atualizado em 13 de dezembro de 2016 às 8:24
Doria e seu tio
Doria e seu tio

 

Depois de anunciar o confinamento da Virada Cultural, o prefeito eleito de São Paulo João Doria apresentou uma lista de 15 parques públicos que irá entregar para a iniciativa privada.

Ibirapuera, Parque do Povo, Aclimação, Independência, Luz, Trianon, Buenos Aires, Chácara Jockey, Praça do Por-do-Sol, Alfredo Volpi, Burle Marx, Anhanguera, Cidade de Toronto, Parque do Carmo e Piqueri.

São apenas os primeiros e estão sendo chamados pela equipe de Doria como ‘parques-âncora’ por possuirem ‘um perfil adequado para exploração comercial, com possibilidade de dar lucro a empresas e zerar os custos à administração na manutenção desses espaços.’

As empresas que assumirem os parques poderão explorar estacionamento, lanchonetes, restaurantes e, claro, eventos. Como contrapartida, essas empresas precisariam assumir a manutenção de alguns parques menores e ‘sem apelo comercial’.

Essa sanha de João Doria em entregar tudo para a iniciativa privada não é reprovável por mera ‘rejeição ao sistema capitalista’. É uma afronta ao bom senso. Por várias razões.

É importante lembrar que parques grandes, como o Ibirapuera, já são assim. Se operar serviços nas instalações do parque rende alguma coisa, por que a iniciativa privada precisa cuidar? Se esse modelo é rentável, por que passar a terceiros? O sistema de ‘adoção’ de parques menores com a receita gerada pelos maiores poderia ser feita pela própria administração municipal, não? Doria não é um ‘gestor’? Para passar tudo nos cobres não precisa ser gestor. Poderíamos ter elegido um caixeiro viajante.

Um outro aspecto que faz acender a luz amarela em qualquer pessoa com mais de 4 anos de idade diz respeito à tal lucratividade. Ou alguém acredita que empresas se contentarão com a permissão para explorar apenas alguns serviços e deixar outros como gratuitos?

Depois de algum tempo irão alegar prejuízo e encontrarão como solução a cobrança de ingresso, que será prontamente aprovada (se o leitor acha exagero, lembre que muitas concessões de estradas previam a cobrança de pedágio em alguns trechos mas deixariam outras artérias livres. Veja o que aconteceu com a rodovia Castelo Branco e depois diga se exagero).

Ressalte-se que esses planos de Doria estão em desacordo com as normas atuais dos parques. Portanto elas precisariam sofrer alterações para permitir a exploração econômica. Óbvio, parque não é para ser tratado como um shopping center.

João Doria parece sofrer da síndrome de Michael Jackson com seu parquinho chamado Neverland. Pensa que todos podem sair e passear aos domingos portando muito dinheiro na carteira. Acha que toda diversão deve ser paga, como ele próprio está acostumado a fazer.

Nem todo mundo pode pagar um picolé que seja, senhor Doria. Parques públicos são muitas vezes a única opção de lazer para milhares de pessoas desfavorecidas. Qualquer show dentro de um parque é gratuito. Em uma gestão privatizada será? Ou será mais uma ocasião na qual o cidadão precisará passar pelo constrangimento de dizer ao filho: “Não podemos, não posso pagar”?

A concessão de serviços públicos para a iniciativa privada é tida como o mundo ideal para os perpetuadores do discurso do estado mínimo, economia liberal e blablabla. Em geral, pessoas que podem pagar e que ignoram que o caráter excludente que essas medidas acarretam proporciona um prejuízo imensamente maior do que os R$ 70 milhões por ano que custam os 109 parques de São Paulo.