“Dugin tropical”: como Aldo Rebelo abraça a extrema-direita disfarçada de “nacionalista”

Atualizado em 3 de junho de 2022 às 18:54
Aldo Rebelo (centro) com membro da “Nova Resistência”, facção de extrema-direita no PDT

De um lado do Atlântico, o pensador neofascista russo Aleksandr Dugin. Do outro, o ex-comunista Aldo Rebelo. Entre eles, um fio que os conecta: a ideia de um nacionalismo conservador.

Para compreendermos melhor como é possível uma relação tão insólita, precisamos primeiramente apresentar ao público brasileiro quem é Dugin. 

O filósofo político russo Aleksander Dugin nasceu na então capital da União Soviética, em Moscou, em 1962. Quando jovem, tentou carreira no Instituto de Aviação, mas não terminou o curso. Anos depois, se graduou e alcançou posteriormente o mestrado em Filosofia e dois doutorados, um em Sociologia e outro em Ciências Políticas.

Nos anos 80, se envolveu com grupos ocultistas e demonstrava possuir simpatias pelo nazismo, tendo inclusive adotado um alter-ego em homenagem a Wolfram Sievers, pesquisador nazista do ocultismo. Já nesta época o nacionalismo se afigurava como valor fundamental, sob o prisma do ideário tradicionalista que atribui forças místicas à Terra e a relação do povo com ela.

Como anticomunista, se engajou nas forças de direita do país e no ano de 1988 se uniu ao partido ultranacionalista Pamyat (Memória). Depois ajudou a fundar com Limonov o Partido Nacional-Bolchevique – cujo nome já dá a dimensão do tipo de orientação política proposta por Dugin e Limonov: uma mescla do bolchevismo com o nacional-socialismo. 

Em 1997, publicou artigo intitulado “Fascismo – sem fronteiras e vermelho”. Nele, Dugin esboçava sua intenção de constituir um fascismo genuinamente russo e afirmava que considera os aspectos racistas e chauvinistas do nazismo como “excessos” e não como componentes fundamentais da ideologia hitlerista.

Ligado à Igreja Ortodoxa Russa, credita a ela a noção de estado total pela percepção da dissolução do indivíduo sob a comunidade da Igreja, noção próxima à concepção hegeliana do indivíduo em relação ao absoluto. Dugin, como se intentou brevemente demonstrar aqui, tem formação ideológica ligada desde muito cedo ao nacional-socialismo e fascismo.

No entanto, sua estratégia desde a participação no Partido Nacional-Bolchevique formulava uma nova estratégia: a aliança vermelho-marrom, ou seja, a captura de setores nacionalistas da esquerda para seu projeto imperial e totalitário, cujo sonho declarado é a constituição de um grande império euroasiático com a Rússia no centro.

Atualmente, muito se especula sobre a proximidade e importância de Dugin sobre o presidente russo Vladimir Putin. Segundo Dugin, aqueles que se opõem a Putin devem padecer de alguma debilidade mental. Já discursou para tropas russas inflamando-as pela reconstrução da grande Rússia à época da anexação da Criméia.

Em sua obra, Dugin ataca o liberalismo como ideologia hegemônica e o identifica como produto da estratégia global dos Estados Unidos, que buscam implementar o “globalismo” (expressão que é utilizada pela extrema-direita global) através da imposição militar, econômica e cultural cuja composição destas estratégias ele identifica sob a alcunha de “atlantismo”.

Seguidor do francês Alain de Benoist, responsável pela constituição da “Nouvelle Droite” (Nova Direita) no pós-guerra (grupo que será fundamental para a reorganização da extrema-direita global um das principais influências da alt-right estadunidense), o pensador supremacista branco francês retém do filósofo marxista italiano Antonio Gramsci a noção de batalha cultural. 

Nesta qualificação da hegemonia do “atlantismo”, Dugin postula como valores impostos pelos Estados Unidos a democracia, direitos humanos e pautas minoritárias, estas tratadas contemporaneamente pela direita e esquerda conservadoras sob a pecha de “identitarismo”.

E como isso tudo pode se relacionar com o ex-membro do Partido Comunista do Brasil, atualmente filiado ao PDT, Aldo Rebelo? Para compreendermos melhor a relação de similitude e irmandade de algumas ideias entre o russo e o brasileiro, precisamos falar da recente entrevista que Aldo deu Brasil Paralelo, produtora bolsonarista de fake news e revisionismo, em maio.

No início, Aldo afirma que é sobretudo um nacionalista e que seu nacionalismo é “telúrico”, ou seja, ligado ao solo. Essa expressão é muito utilizada na literatura para referir a uma “voz da terra”, conexão mágica entre o solo e os personagens que habitam o ambiente narrativo das obras.

Aldo, então, é questionado por que se tornou comunista e a sua resposta diz mais sobre uma condição circunstancial de fundo patriótico do que exatamente da ordem ideológica. Segue então o ex-ministro nos governos Lula e Dilma para a teoria de que as ONGs que estão na Amazônia são financiadas por grupos europeus com interesses na região e na fragmentação do território nacional, identificando nos indígenas os principais responsáveis pelo desmatamento na região.

Não cita o nome de nenhuma ONG. É como Bolsonaro faz.

Tangencia o conspiracionismo nacionalista de setores da extrema-direita e é comumente compartilhado em grupos bolsonaristas no Whatsapp e Telegram. Critica, ainda, a Constituinte de 88 dizendo que ela cometeu o erro de conceder poderes demais ao STF, tornando-o um ator político e para justificar essa crítica equipara os pedidos de impeachment da presidenta Dilma Rousseff aos de Jair Bolsonaro, sem mencionar os motivos que sustentavam ambos pedidos.

Critica Moro por ter “traído” o presidente Bolsonaro (ao qual não tece nenhuma crítica, senão a de não ser verdadeiramente um nacionalista por culpa de Paulo Guedes) e alega que os militares se engajaram no movimento civil de 1964 por demanda da sociedade e não que eles foram os responsáveis pelo golpe.

Elogia inúmeras vezes os militares, sem tecer nenhuma crítica. Elogia Geisel na atuação com a Petrobras. Ao explicar os cinco movimentos de seu mais recente livro/manifesto “O Quinto Movimento”, trata de modo elogioso a supressão das revoltas populares brasileiras do século XIX pelo Exército Brasileiro por eles “terem mantido a unidade territorial e administrativa do Brasil”.

Embora não critique o Exército, Aldo detona a esquerda duramente por contas das pautas “minoritárias”. Aldo Rebelo ainda acusou a Comissão da Verdade, instaurada sob o governo de Dilma Rousseff, de causador de divisão e tensões desnecessárias com as Forças Armadas.

É fácil perceber a coincidência de pautas entre ambos, como a subjugação de qualquer pauta ou demanda tomada por “divisiva” em prol de um nacionalismo unitário de um povo mítico “sem rachaduras”.

Grupos duginistas como a “Nova Resistência”, ameaçada de expulsão do PDT, já perceberam em Aldo Rebelo afinidade com ideias centrais de seu guru russo e o exaltam nas redes sociais, além de participarem e promoverem eventos com ele postando em suas redes fotos com o “grande nacionalista”. 

O nacionalismo, seja ele telúrico ou místico, constituído sob críticas à esquerda do imperialismo estadunidense, se configura o centro nerval da aliança vermelho-marrom tão almejada por Aleksandr Dugin, que parece ter encontrado em Aldo Rebelo e em alguns membros do PDT os seus avatares brasileiros.

Ao final, resta-nos a sabedoria popular que ensina que se algo tem focinho, orelhas, rabo e late como um cachorro deve ser um cachorro.