Duratex e Nestlé fecham as portas no RS e demitem 500 trabalhadores. Por Fabiana Reinholz e Marcelo Ferreira

Atualizado em 2 de julho de 2019 às 9:23
Nesta segunda-feira (1º), 480 funcionários foram demitidos da unidade da fabricação de louças Deca, da empresa Duratex, em São Leopoldo / Foto: Deca/Divulgação

Publicado originalmente no Brasil de Fato

POR FABIANA REINHOLZ E MARCELO FERREIRA

Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) divulgados pelo Ministério da Economia, em maio, apontaram o Rio Grande do Sul como o estado líder em demissões com carteira assinada no Brasil, com o fechamento de 11.207 empregos.

Na manhã desta segunda-feira (1º), essa realidade acentuou-se ainda mais. Sem nenhum aviso prévio, cerca de 480 empregados da unidade da fabricação de louças Deca, da empresa Duratex, em São Leopoldo, na região do Vale dos Sinos, foram demitidos com o fechamento da planta. Em Palmeira das Missões, a empresa Nestlé encerrou as atividades da fábrica no município da região das Missões, com demissão de 18 funcionários.

Para agravar o cenário para os trabalhadores e para a economia do Rio Grande do Sul, há ainda no horizonte a Paquetá, com sede em Sapiranga, que pediu recuperação judicial judicial no dia 24 de junho. A empresa, com 74 anos de atuação na produção de calçados, tem uma dívida de R$ 638,5 milhões.

Trabalhadores demitidos após décadas

Ao chegarem nos portões da unidade responsável pela unidade de fabricação de louças e cerâmica Deca, às cinco da manhã, os trabalhadores foram recepcionados com um simples comunicado de que teriam de fazer a rescisão dos contratos. A empresa atuava há 41 anos no Estado e era uma das poucas do setor, o que dificulta a recolocação dos demitidos, afirma o diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Indústrias de Vidros de Porto Alegre e Região, Renato Reus dos Santos. “Tem trabalhador com 30 anos de empresa, agora vai trabalhar de que? Tem uma meia dúzia que a ficha não caiu, vão pegar o seguro-desemprego, só que esse dinheiro vai terminar e quando forem para o mercado, não vai ter vaga. Tem trabalhador com 30 anos de carreira, chorando, vão colocar esses trabalhadores onde?”, desabafa.

Apesar de cerca de 1,4 milhão de peças produzidas anualmente pela filial, em nota, a empresa informou que a unidade fabril possuía reduzida capacidade instalada e que o volume produtivo será redistribuído para plantas localizadas em outros estados. Informou ainda que alguns funcionários poderão ser aproveitados em outras fábricas da empresa. Santos, que tem formação em assistência social, diz que foi pego de surpresa com um telefonema nessa manhã. “Em janeiro estava normal a situação da filial no Estado do RS (a matriz fica em São Paulo), não deixaram transparecer nada. Há 15 dias atrás, tudo ainda estava normal”, comenta o diretor, que faz alusão à crise na Argentina e ao impacto da queda do consumo do país vizinho na produção gaúcha.

“Veio a crise na Argentina, o Brasil também está em crise, e piorou ainda mais com esse novo governo”, afirma Santos. O diretor aponta também a reforma trabalhista, de 2017, como um agravante da situação, já que ela acabou por enfraquecer o movimento sindical.  “Antes quando tu ia demitir um grande número de funcionários, teria que chamar o sindicato e negociar. Com a reforma, o sindicato poderá  fazer muito pouco. Só temos a garantia que vai indenizar todo mundo. Sem esse poder de pressão, só temos argumento, que para o fato é nada”, finaliza.

Apesar de não ser de sua base de atuação, o presidente do sindicato dos metalúrgicos de São Leopoldo, Valmir Lodi, se solidarizou com as demissões. “São 480 famílias que ficaram sem salário e para onde irão esses trabalhadores, vão para informalidade também? São Leopoldo perde bastante porque é cadeia produtiva. Independentemente se é metalúrgico, se está em outro ramos, todos os trabalhadores perdem”, comenta.

Prefeitura também foi pega de surpresa

A prefeitura de São Leopoldo informou por meio de nota que foi surpreendida pelo fechamento das atividades da empresa na cidade. No comunicado, frisou o esforço que foi feito em políticas de desenvolvimento econômico e social e no fomento do distrito industrial. “As ações reforçam as enormes dificuldades do cenário nacional para o desenvolvimento econômico e também o fechamento da única unidade instalada no Estado do Rio Grande do Sul faz parte do desequilíbrio e da concorrência desigual tributária”. Ainda de acordo com a nota, a prefeitura lamenta a decisão da empresa e “se solidariza com os trabalhadores e trabalhadoras que serão impactados pelo fechamento”. “O Município se coloca à disposição para dialogar e buscar alguma alternativa”, conclui o comunicado.

Caso Nestlé

A empresa, que no início chegou a ter 70 funcionários fixos em Palmeira das Missões, com o passar do tempo viu sua mão de obra reduzida aos 18 funcionários, que com agora ficam sem rumo certo.  Em comunicado, a multinacional informa que a produção será absorvida pela unidade de Carazinho.

Representantes da empresa Nestlé se reuniram nesta segunda-feira com o prefeito de Palmeira das Missões, Eduardo Russomano Freire (PDT). Conforme apontou Freire, há cerca de dois anos foi observada a redução do ritmo dos trabalhos na unidade. “Em outras ocasiões, já oferecemos ajuda e apoio político para tentar otimizar o uso da planta”, enfatizou. Além disso, o gestor disse que os  empresários alegavam que a crise econômica impactou na diminuição do consumo dos lácteos no país. De acordo com o prefeito, em anos anteriores, a Nestlé chegou a responder por 8% da arrecadação de ICMS do município.

Ao comentar sobre a migração dos trabalhadores para o município de Carazinho, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Alimentação de Carazinho e Sarandi, Adenilson de Souza, comenta que  a distância entre as duas cidades, que é de 80 quilômetros, impede que um número grande de trabalhadores concorde com a transferência.

Efeito negativo para economia gaúcha 

Para Lodi, o fechamento dessas empresas é também uma irresponsabilidade do governo estadual, que não fez tentativa efetiva para que elas ficassem. “É uma irresponsabilidade que o governo está tendo com essas empresas que estão fechando, não estão buscando negociação para que esses postos de trabalho fiquem aqui”, opina o presidente do sindicato dos metalúrgicos.

Durante almoço com jornalista, o governador do Estado, Eduardo Leite (PSDB), comentou a desativação, apontando os efeitos negativos para a economia gaúcha. Sobre o fechamento das fábricas da Duratex e da Nestlé, Leite afirmou que  “não colabora para a nossa pauta de desenvolvimento do Estado”. O governador argumentou que e precisava ter mais detalhes sobre as razões das desativações e qualificou que a recuperação da economia no País está sendo “muito lenta, beirando a estagnação”.

Setor calçadista: A menina dos olhos no século passado

A crise enfrentada pela empresa Paquetá não é nova quando se trata do setor calçadista, em especial ao se analisar a região do Vale dos Sinos. A cidade de Novo Hamburgo foi e ainda é lembrada como “a Capital Nacional do Calçado”, realidade que não condiz, há anos, com a realidade enfrentada na região. Na quarta edição do Brasil de Fato – RS, de agosto de 2018, o jornalista Wálmaro Paz apresentou essa realidade.  Conforme a reportagem, até o final do século passado, o setor coureiro-calçadista representava a principal atividade do Vale do Rio dos Sinos e atraía um contingente de trabalhadores. A crise dos anos 90 fez com que se perdesse essa condição. A indústria calçadista fechou, nos últimos, sete anos 26 mil postos de trabalho.

Confira a nota completa da Duratex 

A Duratex esclarece que o fechamento da unidade industrial de louças na cidade de São Leopoldo é importante para a consolidação industrial e para manter a competitividade no segmento. A escolha desta unidade se deu pela sua reduzida capacidade instalada. O volume de produção será redistribuído entre as outras quatro unidades de louças da Deca – João Pessoa (PB), Cabo de Santo Agostinho (PE), Queimados (RJ) e Jundiaí (SP) –, mantendo o pleno atendimento para todos os nossos clientes.

Confira nota completa da Nestlé

A Nestlé decidiu encerrar a atividade de recebimento de leite em seu posto localizado em Palmeira das Missões (RS). Esse trabalho será absorvido pela unidade de Carazinho, no mesmo Estado. A medida visa otimizar a logística, alcançar maior flexibilidade para o transporte da matéria-prima e, consequentemente, maior eficiência de suas operações em um segmento de alta competitividade.

Será mantida a compra de leite dos atuais 127 fornecedores que possuem propriedades em Palmeira das Missões ou nas proximidades do município, com a captação média de cerca de 100 mil litros/dia.

A empresa oferecerá o apoio necessário aos 18 funcionários que serão desligados em função do encerramento das atividades no posto de Palmeira das Missões. Na cidade, manterá ainda os trabalhos de preservação e manutenção da unidade para futura venda ou locação.

Com informações do Correio do Povo e do Jornal do Commércio