Na Terra Indígena Yanomami, situada nos estados de Roraima e Amazonas, partes da floresta e das águas começam a dar lentos sinais de recuperação. Seis meses após o início da operação para retirada dos mais de 20 mil garimpeiros, iniciada pelo governo Lula após a situação de emergência vivida pelos indígenas ter vindo a público, as comunidades relatam uma melhora.
“Eu acabo de voltar da aldeia Parafuri e vi que a água está mais limpa, que árvores estão nascendo. Fico muito feliz”, diz Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana (Condisi Y-Y), à DW.
Na aldeia, garimpeiros aliciavam os indígenas, davam ordens para que agentes de saúde não visitassem a comunidade e chegavam até a dormir nas malocas, habitações típicas.
O prolongado impacto ambiental e na saúde dos yanomami que a extração ilegal do ouro deixa aos habitantes, por outro lado, preocupa as lideranças. Os casos de malária ainda são numerosos e o atendimento médico não chegou a todos no território.
“Temos um problema muito grande na questão da saúde que ainda está longe de se resolver. Ainda há muitas crianças desnutridas, muitos casos de malária. Há comunidades que ainda enfrentam problemas psicológicos, traumas”, relata Jínior.
Na aldeia de Surucucu, onde um hospital de campanha foi montado e que concentra os atendimentos emergenciais, havia 146 indígenas internados no momento da visita do Condisi Y-Y, no início da semana.
Operação de retirada dos invasores
Jair Schmitt, chefe da fiscalização ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), reconhece que há muito a ser feito para livrar a TI Yanomami dos invasores.
“Tem muito suprimento ainda sendo levado de avião, alguns inclusive transpondo fronteira, usando parte da Venezuela. É preciso ter atuação mais forte no controle do tráfego aéreo, que permite levar suprimento e retirar ouro e cassiterita por parte dos garimpeiros”, diz Schmitt à DW, ressaltando que o controle de fluxo aéreo não é atribuição do Ibama.
Segundo o monitoramento feito pelo instituto, houve uma redução de 82% de abertura de novas áreas de garimpo de fevereiro a junho, em comparação com mesmo período do ano anterior. “Mas ainda há regiões com garimpeiros lá dentro, o que precisa ser combatido”, afirma Schmitt.
Durante os seis meses de operação na TI Yanomami, o órgão destruiu 23 aviões, dois helicópteros e 335 acampamentos usados pelos garimpeiros. Foram apreendidos 28 mil litros de combustível, 226 motores usados para fazer a extração do ouro e 30 embarcações.
Com a abertura de uma nova base, na aldeia Homoxi, que fica próxima à fronteira com a Venezuela, a expectativa é que os agentes tenham melhores condições para atuar em outras frentes de garimpos que precisam ser desmobilizados, diz Schmitt.
“Os garimpeiros, ao que parece, não acreditavam de fato que o governo brasileiro, em especial o Ibama, iria atuar forte. Mas aos poucos estamos avançando. Destruir a infraestrutura é importante, pois acaba inviabilizando o trabalho dos invasores”, justifica o servidor de carreira do órgão.
“Ainda não é hora de agradecer”
Para os mais de 300 indígenas que participaram do IV Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana, em meados de julho, ainda não é hora de agradecer aos governantes.
“Os resultados das ações realizadas até hoje estão longe de serem suficientes. Os garimpeiros continuam ingressando e destruindo nossa floresta. Ainda continuamos morrendo por falta de atendimento à saúde tanto dentro como fora de nosso território, quando nossos parentes são removidos e precisam passar muito tempo sofrendo na cidade”, escreveram os participantes numa carta assinada por presidentes de dez associações indígenas.
Em 2019, os indígenas elaboraram um protocolo de consulta e entregaram o documento ao governo brasileiro, liderado à época por Jair Bolsonaro. “Mas foi somente neste 4° Fórum de Lideranças Yanomami e Ye ́kwana que os órgãos federais iniciaram uma consulta realizada da forma correta. É a primeira vez que o governo afirma querer respeitar nosso Protocolo de Consulta”, pontua o documento.
Para os habitantes da TI, o protocolo serve como um guia para defendê-los da cobiça dos não indígenas e de tentativas de aliciamento. As lideranças pedem ainda que o governo ouça as comunidades e envolva as associações no planejamento e execução das ações.
Plano de reconstrução
Com uma população estimada em mais de 27 mil indígenas, segundo dados preliminares do Censo 2022, a Terra Indígena Yanomami tem pelo menos 13 grupos que optaram por viver em isolamento.
A onda de invasão tem sido denunciada pela Associação Hutukara há anos. O monitoramento feito pela entidade mostra que, a partir de 2016, a destruição causada pelo garimpo explodiu e cresceu 3.350% entre 2016 e 2020.
Para os yanomami, além da retirada imediata dos invasores e devida punição aos criminosos, é urgente um sistema de vigilância territorial eficiente, com reativação das bases de proteção territorial.
Na área da saúde, os indígenas dizem que a ampliação do atendimento em outras aldeias, aumento no número de funcionários e fornecimento de medicamentos são as medidas mais urgentes a serem implementadas.
“Tem comunidades que ainda não receberam cesta básica. É preciso distribuir melhor esse alimento. Pessoas andam pela floresta por dias até outras comunidades para avisar que está faltando comida”, diz Junior.
Mesmo sofrendo com a malária e pelo luto da perda de crianças por desnutrição, homens e mulheres voltam a plantar nos arredores de algumas aldeias onde os garimpeiros foram expulsos. “É um ótimo sinal, mas ainda leva tempo até chegar a hora de colher. Até lá, vamos precisar da ajuda com alimento”, diz Júnior.
Publicado originalmente em DW