“É a administração do caos”, disse Bruno Araújo sobre Bolsonaro em última entrevista antes de morrer

Atualizado em 18 de junho de 2022 às 12:59
Bruno Araújo detonou governo Bolsonaro – Foto: Reprodução

A Folha publicou neste sábado (18) a última entrevista que o indigenista Bruno Araújo concedeu antes de ser assassinado. As declarações do servidor licenciado da Funai foram fortes e ele fala diretamente sobre como o governo Bolsonaro abandonou a preservação ambiental.

“O presidente [Jair Bolsonaro] não demarcou um centímetro como ele prometeu. O presidente da Funai, o [Marcelo] Xavier, está lá para isso. É a administração do caos. Não sei não [suspiro]. Difícil, cansativo, perigoso. Vamos simbora”, declarou ele.

Mas o indigenista também explicou detalhadamente o objetivo do atual presidente. “Olha, isso é fundamental. Destruir por dentro [a Funai] e arrumar aliados que mantenham a fachada que eles precisam. Quando eu saio da CGiirc [coordenação geral de índios isolados], fui coordenador geral, a gente já imaginava o que vinha. Mesmo num governo que já não era interessante, quando vem [Michel] Temer, existia um respeito ao lado democrático, republicano de o Estado brasileiro funcionar […] Com a virada nesse novo governo e a queda do general Franklimberg [Freitas], presidente da Funai à época, ele mesmo chama a gente e diz: ‘Se preparem que ele vem para arrebentar tudo’. É não funcionar para funcionar”

E Bruno insistia. “Quanto mais desestruturar, mexer na normatização interna e ameaçar servidores, mais ele consegue. Não culpo todos os meus colegas. Eu vim para a resistência e estou sendo perseguido desde então até hoje. Estão abrindo processo contra mim. Minha aliança é muito maior com os índios que com o Estado e a Funai. Não estou preocupado”.

O indigenista lembrou ainda que precisava de cuidado sobre o que falava. “Mas não coloco essa questão para todos os meus colegas servidores. Não dá para o servidor sozinho ir contra uma máquina pesada dessa, e o Estado na mão deles. Sendo que eu não consigo, isso é perfil meu e de outros, fechar os olhos, fingir que nada está acontecendo e ficar brincando de ter um cargo numa estrutura de poder dessa”.

Antes de morrer, Bruno falou na entrevista que foi ameaçado. “Então, eles vieram ameaçar. Estão abrindo processos contra vários do OPI [Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato]. Eu como colaborador e conhecedor da OPI, contra Univaja [União dos Povos Indígenas do Vale do Javari] e por aí vai”.

E garantiu que isso se trata de um modelo do governo Bolsonaro. “É o perfil autoritário dessa gestão, desses delegados. Eles têm um modus operandi. Quando saio da CGiirc, assim que eu saí, já era proibido falar. Eu disse: ‘Vou falar’. Não estou nem aí. E abri a boca. Dei entrevistas na época. Aquilo ali foi usado como dossiê em reuniões. Em cima da mesa, o presidente da Funai, ‘pa’, ‘eu vou quebrar o sigilo financeiro e bancário desse cara’. Tentando ameaçar. Eu não me intimidei. Os demais foram perseguidos um por um”.

Sobre o afastamento do trabalho, ele explicou também. “Eu não recebo, mas continuo servidor público. Posso ficar até seis anos nela [licença]. Sou concursado. Acho que eles acharam que iam se livrar. Ninguém achava que ia sair a licença, e eles deram. Saiu, eu me silencio, vou para sombra e vou costurar essas articulações no país inteiro com um monte de gente. Conheço a turma inteira da OPI. A Univaja, eu trabalho. A OPI, eu contribuo. Eles estão me denunciando exatamente por causa disso. A denúncia é que eu estou em conflito de interesse por estar atuando na atividade privada indígena, que é papel de atuação [que] seria do Estado”.

Bruno comentou como o momento era de tensão. “A galera ali [Funai] está preocupante. Tem uns ali que se corromperam e estão fazendo um jogo muito perigoso de escolher o que deve ser entregue para manter os cargos. É complexo porque o Estado é preponderante, é predominante na proteção desses povos. Eles não têm como sair gritando: ‘Estou precisando de ajuda’, como outros povos indígenas. Você viu agora no ATL [Acampamento Terra Livre], 7.000 índios, uma força política, enfrentando o governo que atacou os direitos”.

Ele falou ainda diretamente do presidente da Funai, que já havia feito outras denúncias. “O presidente da Funai em janeiro fez um comunicado aberto, abrindo mão de Ituna-Itatá [PA], tendo expedições recentes que mostraram possíveis vestígios da presença desses índios. Rapaz, isso ainda vai ser estudado muito. A dimensão disso é gravíssima”.

E explica a situação dos indígenas. “Os indígenas isolados, primeiro, precisam de uma terra intangível. Terra plena, que tenha caça, água, frutas. Tudo que eles tenham no hábito deles. Segundo ponto é que eles têm uma vulnerabilidade epidemiológica e política. Um grupo desse com a Covid é pá e queda. Pessoas superfortes, musculosas, saudáveis, mulheres com crianças lindas, todos caem doentes e morrem por causa de uma gripe. A Covid seria muito mais devastadora. A pandemia foi didática. Quando a gente ficou nesse ai ai ai com Covid morrendo gente para cacete no mundo inteiro é meio como eles passam a vida inteira”.

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