É constrangedor ter um mentecapto na Presidência da República. Por Luís Felipe Miguel

Atualizado em 6 de março de 2019 às 11:10
Bonecão de Bolsonaro. Foto: Reprodução

PUBLICADO ORIGINALMENTE NO FACEBOOK DO AUTOR.

É constrangedor ter um mentecapto na Presidência da República – faz ter vergonha de ser brasileiro, de ser concidadão de 58 milhões de pessoas que escolheram um sujeito assim, que nunca disfarçou que é assim, apenas porque ele expressava melhor suas fobias, seus preconceitos, sua mesquinharia, sua truculência e sua estupidez. Constrangimento e vergonha à parte, porém, é impossível refutar que é melhor que ele seja desse jeito. Ele é incapaz de governar, mas capaz de atrapalhar o governo. O ethos machista e autoritário que é parte fundamental de sua persona pública tornou-se tão entranhado que, mesmo sendo obrigado a reconhecer sua própria incompetência, ele não aceita ser tutelado.

Estamos andando no fio da navalha. É importante que existam, dentro do governo, grupos capazes de impedir irresponsabilidades criminosas – como a guerra contra a Venezuela, que, se dependesse do chefe e de seu alucinado chanceler, já estaria em curso. Mas certamente estaríamos em situação pior caso o poder fosse transferido para o general, inteligente o suficiente para fazer o media training, aprender com ele e se metamorfosear magicamente do golpista hidrófobo, antipovo, antinação e racista que sempre foi nesse sábio avozinho moderado e tolerante que agora vemos nos jornais todos os dias.

Dilemas da situação dramática em que nos encontramos, em que o campo democrático e popular está tão fragilizado que depende desesperadamente dos erros de seus adversários para continuar no ringue.

Mas, para além da conjuntura imediata, o episódio de ontem – o goldenshowergate, por assim dizer – faz pensar sobre a presença de governantes em mídias sociais. Sim, temos aqui um caso extremo, um desocupado que não tem condições cognitivas de exercer as funções que o cargo exige, então é instado a buscar incessantemente uma gratificação imediata com os brados de “mito” que são lançados pela turbamulta virtual que o acompanha. Irrelevante no governo que preside, ele precisa buscar um simulacro de importância no Twitter.

Mas mesmo para pessoas mais equilibradas as mídias sociais apresentam incentivos equivocados. Elas são um veículo de absoluta personalização da política, que é o contrário do que se espera para o bom funcionamento do regime representativo. Operam por meio da exacerbação dos antagonismos, ao passo que o governo deveria trabalhar para a ampliação dos consensos; por isso, repudiam a negociação e a barganha, que são, porém, instrumentos imprescindíveis da ação política. Exigem resposta imediata a cada evento, trabalhando contra a temporalidade mais distendida necessária a um processo decisório saudável. Promovem uma redução do público a “seguidores”, o contrário dos cidadãos críticos, engajados no debate, que habitam o ideal democrático.

Não tenho nenhuma ilusão de que andaremos nessa direção, mas talvez fosse razoável proibir que ocupantes de cargos públicos tivessem perfis em mídias sociais – só o perfil institucional, em nome do cargo e não de seu ocupante, destinado à divulgação oficial de medidas, proposições e esclarecimentos. Poderíamos ir um pouco adiante e proibir também que qualquer candidato mantivesse perfil pessoal. Não é nenhuma solução milagrosa, mas uma pequena contribuição para a desmemificação do debate público.