
A apreensão de R$ 430 mil em dinheiro vivo em um endereço ligado ao deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) reacendeu o debate sobre o uso de grandes quantias em espécie e seus efeitos no campo penal e investigativo. O valor foi encontrado durante operação da Polícia Federal que apura suspeitas de desvio de cotas parlamentares. Ao se defender, o líder do PL na Câmara afirmou que o dinheiro corresponde ao pagamento pela venda de um imóvel.
Especialistas ouvidos apontam que manter valores elevados fora do sistema bancário foge ao padrão e, embora não seja crime por si só, costuma acender alertas. Para Rodrigo Alves, guardar dinheiro em espécie dificulta o rastreamento da origem e da movimentação dos recursos.
“Não é crime em si, mas é um elemento que justifica aprofundamento investigativo”, afirmou em entrevista ao Uol. Segundo ele, no contexto penal, a posse de grandes somas em dinheiro pode ser interpretada como indício de ocultação.
O criminalista Renato Hachul avalia que o uso de dinheiro vivo é incomum e pode sugerir tentativa de ocultar operações. Para ele, a passagem por instituições financeiras reduz riscos de lavagem, já que bancos e corretoras seguem normas de identificação da origem dos recursos e comunicação a órgãos de controle. Manter quase meio milhão fora desse circuito, diz, foge às boas práticas.
As suspeitas se intensificam quando a operação alegada envolve compra ou venda de imóveis. De acordo com André Duffles, guardar R$ 430 mil fora do sistema bancário “levanta suspeitas quanto à possível ocultação da origem dos recursos”.
Ele acrescenta que a aquisição de imóveis com dinheiro vivo é vista como um mecanismo clássico de integração de valores ilícitos. “É um mecanismo clássico de integração de valores de origem criminosa, pois transforma recursos não rastreáveis em um ativo lícito de alto valor, com aparência de legalidade”, explicou.
Sóstenes Cavalcante é alvo de investigação que aponta atuação coordenada de agentes políticos, servidores comissionados e particulares para o desvio e a posterior ocultação de verba pública oriunda de cotas parlamentares. Ao comentar a apreensão, o deputado disse que pretendia depositar o dinheiro, mas não teve tempo. Reconheceu que é estranho manter quase meio milhão em casa e atribuiu a situação a um “lapso” causado pela correria do trabalho.

Para os especialistas, a defesa exigirá documentação robusta. Rodrigo Alves destaca que será necessário apresentar contrato de compra e venda, registros de pagamento, datas compatíveis e a demonstração de que os valores apreendidos correspondem exatamente à operação alegada.
O parlamentar afirmou que adquiriu o imóvel há dois anos, após as eleições de 2022, e que a venda teria ocorrido na semana passada, sem precisar datas.
Caso a origem lícita seja comprovada, os valores devem ser devolvidos. A advogada Beatriz Colin explica que, comprovada a inocência, não só o dinheiro como eventuais bens apreendidos retornam ao investigado.
Ainda assim, os próximos passos costumam incluir cruzamento de dados bancários e patrimoniais, além de possíveis quebras de sigilo. “A busca e apreensão é uma fase de coleta de provas, não um juízo definitivo de culpa”, reforçou Rodrigo Alves.
O episódio ocorre enquanto o Senado discute medidas para restringir o uso de dinheiro vivo. Um projeto aprovado em primeiro turno na Comissão de Constituição e Justiça propõe proibir transações comerciais ou profissionais acima de R$ 10 mil em espécie e vetar pagamentos de boletos ou faturas acima de R$ 5 mil com dinheiro vivo, com multas aplicadas pelo Coaf em caso de descumprimento.
Para Duffles, iniciativas assim ampliam a transparência e o rastreio financeiro. “Longe de ser um problema particular do mundo político, trata-se de um problema estrutural que transcende indivíduos e partidos políticos específicos”, disse.