E daí se fosse blasfêmia a transexual na cruz? Por Nathali Macedo

Atualizado em 15 de junho de 2015 às 7:00
Arte que faz pensar
Arte que faz pensar

O “e se fosse” é providencial, porque, de fato, não foi blasfêmia. Foi arte. O tipo de arte que cumpre o seu papel: incomodar. Nos tirar do lugar comum. Despertar em nós qualquer coisa que nos faça pensar um pouco mais naquilo que, convenientemente, ignoramos.

Uma transexual crucificada em praça pública – como tantos outros foram – mas, dessa vez, nua e crua. Para que cada cristão enxergasse – de maneira mais cristalina do que possam desejar – o que a sociedade sempre fez com a minorias. Das bruxas queimadas na fogueira às Verônicas da contemporaneidade.

Para que cada incomodado perceba – embora, para muitos, não funcione – que execrar o outro pelas suas escolhas não é exatamente o que prega o amor cristão.

Os verdadeiramente cristãos – aqueles que vão além da missa aos domingos – certamente sabem que o Jesus que o próprio Cristianismo prega lutou pelas minorias – e, sinto muito, isso inclui os homossexuais.

Mas, para ir um pouco além do óbvio, podemos considerar hipoteticamente que a crucificação na última parada gay – aquela que representou a crucificação de cada minoria excluída e apontada – foi blasfêmia à religião cristã.

A mesma blasfêmia que resultou em indignação geral e reza coletiva no Congresso, depois de séculos de exclusão e preconceito às religiões de matriz africana. Após toneladas de risadas pelo “chuta que é macumba”. Após a vergonhosa demonização do povo negro e de suas divindades. Após séculos de perseguição à Umbanda no Rio de janeiro, depois de chamarem Exu de demônio, depois da catequização cruel que ainda hoje se perfaz.

Então, mesmo que fosse blasfêmia, o espanto geral ainda não estaria justificado. Por toda a blasfêmia aos cultos religiosos não-cristãos, toda a indignação que a muitos parece tão justa, ainda me pareceria a mais deslavada hipocrisia. Porque blasfêmia é negar os próprios valores em nome de verdades convenientes que nenhuma religião jamais pregou – e se é isso que os cristãos de hoje se dedicam a perpetuar, chuta que é cristianismo.