É difícil acreditar nas desculpas de Lobão. Por Nathali Macedo

Atualizado em 28 de março de 2016 às 17:55

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A carta aberta de Lobão para Caetano, Gil e Chico (os três artistas aos quais mais me rendo na música brasileira), deixou-me, pela milésima vez neste momento político tão delicado, sem saber o que pensar.

Julgar o sentimento – ou o que parece um sentimento – tão vividamente expresso pode parecer prepotente, e o é, mas, neste momento, duvidar é a palavra de ordem.

E quem pode nos julgar por duvidar de um discurso cheio de amor e paz vindo de quem, há pouquíssimo tempo, incitava o ódio fascista?

É difícil acreditar nas desculpas de Lobão, não apenas pela contradição, mas por tantas outras razões óbvias.

Ele disse, em sua carta bem escrita e cheia de adjetivos maravilhosos, confessemos, que Chico, Gil e Caetano estão no seu DNA artístico, mas para nós, ouvintes, é difícil captar qualquer mísero sinal de influência.

A música de Lobão – aquela que ele fazia antes de passar de músico a fascista decadente – sempre me pareceu audível e até bacana, eu diria. Canto uma delas até hoje em apresentações públicas – e sempre faço questão de deixar claro que a música é boa, embora Lobão não me represente e não represente a arte na qual acredito.

Apesar disso, como admiradora irremediável do trio magnífico – Chico, Gil e Caetano – e ouvinte eventual de Lobão, não conseguiria apontar qualquer semelhança, ainda que ínfima, em suas composições.

E se formos aos fatos, se transcendermos o viés artístico e pensarmos apenas ideologicamente, o tom afetuoso de Lobão torna-se ainda mais inacreditável: Enquanto Chico, Gil e Caetano jamais saíram da memória do povo brasileiro, enquanto seus shows ainda lotam e suas músicas se tornam imortais a cada ano, Lobão só perde seus seguidores, seus ouvintes e sua dignidade.

Para ele, um artista decadente, redimir-se parece a única saída. E procurar juntar-se aos bons para que, quem sabe à sombra destes, salve-se do abismo do esquecimento – no qual, aliás, ele já parece ter caído.

Lobão tem percebido – e é, eu arrisco dizer, apenas o primeiro – que o fascismo não compensa. Que o barco golpista está afundando e que a classe artística – a verdadeira classe artística, não me falem em Roger ou Alexandre Frota! – está unida em torno de um objetivo democrático que é o único que interessa a um povo minimamente politizado.

Noutras palavras, ele é fascista, mas não é burro.

Por outro lado, para ir além das espertas intenções de Lobão, o fascista restaurado, o cinismo da própria carta é suficiente para nos sobressaltar: Lobão fala em um “momento grave de colapso de governo, de ódio generalizado entre os brasileiros” – um ódio que ele mesmo incitou – mas não se atreve a falar do golpe claramente em curso no Brasil. Fala em “ódio generalizado” e esquece que esse ódio não é e nunca foi bilateral, tampouco generalizado: o ódio político é manifesto pela direita fascista. São eles que pedem a volta da ditadura, foram eles que disseram que Chico Buarque é um merda, são eles que xingam a presidenta de vagabunda e sapa gorda, são eles que marcham ao lado de Jair Bolsonaro.

Isso sim é intelectualmente desonesto: maquiar a polarização óbvia a que o Brasil está exposto. Resumir a tentativa de golpe, o ódio de classe e os ataques à democracia a “ódio generalizado entre os brasileiros.”

Lobão, tão inteligente a ponto de pular do barco golpista que naufraga, é inteligente o suficiente para saber que não se trata disso.

Espero, como brasileira e principalmente como uma alma movida pela música e também pela política, que Chico, Gil e Caetano perdoem as atrocidades de Lobão, porque o ódio jamais nos pertenceu e porque o perdão é uma virtude dos fortes como eles. Mas que não se rendam a esse discurso simplista e desonesto – e não se renderão, tenho certeza – e que, quem sabe, ensinem a Lobão alguma lição de cidadania e honestidade.

E quanto a nós, povo brasileiro, é e continuará sendo difícil acreditar no fascista decadente que decide se retratar. Gato escaldado tem medo de água fria, diria a minha avó.