“É extenuante. Tô cansado. Estamos vivendo um momento dramático”, diz o Padre Júlio Lancelotti ao DCM

Atualizado em 16 de março de 2021 às 16:16
Padre Júlio Lancelotti fala ao DCM.
Foto: Reprodução

POR LUIZA COPPIETERS

No bairro do Belenzinho, espremida entre enormes templos neopentecostais, está a humilde Paróquia São Miguel Arcanjo, comandada pelo padre Júlio Lancellotti. A paróquia é um centro de referência não só para as pessoas em situação de rua, mas para toda a cidade de São Paulo, pois tem em seu pároco uma figura de exemplo de cidadão.

No entanto, apesar de incansável na luta em defesa dos irmãos e irmãs em situação de rua, o padre encontra-se extenuado. Enfrentando um ano de pandemia e de descaso e negligência do poder público, o pe. Júlio Lancellotti tem que quebrar, diariamente, muitas pedras no caminho.

Agora, com a cidade entrando em fase emergencial, a situação fica ainda mais difícil para quem não tem casa e vive de doações de estabelecimentos comerciais. No entorno da paróquia São Miguel Arcanjo, por exemplo, quase todos estabelecimentos encontravam-se fechados, à exceção de alguns mercados e bares.

Em entrevista exclusiva ao DCM, o pe. Júlio Lancellotti falou sobre a situação atual da população em situação de rua, o descaso do poder público, o aumento da pandemia e como se pode ajudar na defesa dos despossuídos: “Não discriminar, não ter preconceito, não alimentar essa retórica do ódio”.

DCM: Qual é a situação no momento, em que a prefeitura decretou situação emergencial, dos irmãos e irmãs em situação de rua?

Pe. Júlio: A população aumenta. Há um número cada vez maior das pessoas em situação de rua. Em algumas áreas da cidade há uma concentração muito grande e as respostas são sempre as mesmas: tímidas, insuficientes e inadequadas.

No início da pandemia, muitas empresas enviaram caminhões com doações. Além disso, muitas pessoas se engajaram em trazer doações também. Hoje a situação parece oposta, já que a paróquia tem bem menos alimentos. Como o sr. vê essa situação?

Ainda há doações, não no mesmo volume anterior. A dificuldade é geral. E não só se agrava, como se generaliza. Então é o momento em que o próprio estado, nos vários níveis, municipal, estadual e federal, tem que dar respostas.

No Balanço de Ações Emergenciais para a População em Situação de Rua de 2020 da Prefeitura de São Paulo encontraram 351 casos com diagnóstico de COVID-19. No seu cotidiano, como estão as condições da população em situação de rua em relação à COVID-19?

No primeiro momento não houve um número tão grande como está tendo agora. Agora o número está aumentando. Mas ainda não está sendo mensurado. Estou procurando hoje ter números. Mas há um número cada vez maior de pessoas infectadas.

O senhor verificou um aumento da população de rua com a continuação da pandemia e ausência de políticas sociais e econômicas?

Sim, com o desemprego, a falta proteção social, cessando o auxílio emergencial o número de pessoas na rua é cada vez maior.

Como o sr. enxerga a atuação do Comitê Intersetorial de Política Municipal para a População em Situação de Rua (Comitê Poprua)?

Ele é institucional, é bastante amarrado. Esses conselhos poderiam ser mais úteis se eles fossem deliberativos. Eles não são deliberativos, são consultivos. E o poder público amarra muito.

O poder público, ao final, usou a estrutura que tem…

Ampliou, mas não diversificou o atendimento

A cidade de SP está em situação emergencial, com fechamento de comércio e restrição de circulação ampliado. Como fica a situação da população em situação de rua nessas condições?

Fica mais exposta. Fica sem possibilidade de respiro, de vida, de encontrar saídas, bicos, pequenos trabalhos. A situação é bem mais difícil.

Como o sr. enxerga o decreto do governador Doria que coloca igrejas como serviço essencial?

O essencial não é a igreja, o essencial é a religiosidade e a espiritualidade. A fé não é feita do templo, o templo está em função da fé. O essencial é que as pessoas tenham fé que mantenham sua fé fortalecida.

Mas as igrejas ficaram abertas…

Então, por isso eu digo, a fé não é o templo. Você pode ir ao templo e não ter fé.

O senhor continua a receber ameaças de morte?

Continuo. Agora mesmo um ameaçou de força física. Que vai me atacar com força física.

Quem? Como foi isso?

Um morador aqui. Por causa do pessoal que está fazendo barraquinhas em baixo do viaduto do Tatuapé.

E como lida com isso?

Avisei a ele que estou comunicando pra polícia.

E a polícia toma alguma atitude?

Às vezes ajuda.

Quais orientações o sr. dá à população em geral e aos irmãos e irmãs em situação de rua em particular?

É difícil. É extenuante. Estamos vivendo um momento dramático. É difícil ter uma fórmula pronta e mágica. A gente tem que ter coragem e enfrentar o desafio.

O senhor está…

Tô cansado…

Como as pessoas podem ajudar a luta?

Uma ajuda que todos podem dar é não discriminar, não ter preconceito, não alimentar essa retórica do ódio e buscar respostas que são inúmeras na sociedade e ajudar naquilo que for possível.