É hora de Lula repensar os termos de sua aliança com o Supremo. Por Luis F. Miguel

Atualizado em 25 de novembro de 2023 às 15:18
O presidente Lula e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Foto: Fabio Pozzebom/Agência Brasil
O Senado aprovou a Proposta de Emenda à Constituição que limita o poder das decisões monocráticas de ministros do Supremo Tribunal Federal.
Ninguém pode acusar Pacheco ou os senadores bolsonaristas que vibraram com a aprovação da PEC de terem qualquer preocupação com a nação. Mas, olhado com serenidade, o texto não é ruim. Além de reduzir o poder excessivo do Judiciário, obriga o Supremo a agir de forma mais colegiada.
A reação do STF foi furiosa. Estão bravos com o Congresso e também com Lula, que não teria se empenhado o suficiente para barrar o texto.
Está na hora de Lula repensar os termos de sua aliança com o Supremo – em especial, com a dupla formada por Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes.
O midiático Xandão, que chegou ao Supremo nos braços do golpe e metamorfoseou-se em salvador da democracia, atropela direito e jurisprudência a serviço de uma ambição de poder. O campo democrático se ilude feiamente ao lhe dar carta branca, confundindo uma confluência de momento com uma verdadeira irmandade de projetos.
Já Gilmar foi, provavelmente, a figura singular que mais contribuiu para a degradação das práticas do Supremo Tribunal Federal.
Mais inteligente e melhor preparado que a maioria de seus pares, é também mais impudico no uso das decisões – ou não-decisões – da corte como instrumento de poder. Gilmar impôs um novo padrão de relações carnais com a elite política, passeia com desenvoltura por contatos nada republicanos com grupos corporativos, intimida e silencia os críticos.
Ministro Gilmar Mendes do STF. Foto: reprodução
No mesmo momento em que a PEC agita Brasília, avultam indícios da participação de Gilmar na trama para queimar o ministro Flávio Dino – e abrir caminho para a indicação do atual presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas, ao STF.
É a história da “dama do tráfico”, recebida em audiências, criada na redação do Estadão para agitar a direita e causar constrangimento ao Ministério da Justiça.
O papel e as motivações da diretora da sucursal de Brasília, Andreza Matais, ainda estão sendo investigados – ela seria amiga de Dantas e há denúncia de que ela obrigou jornalistas a produzirem a matéria. Já está mais que provado de que a alcunha “dama do tráfico” foi inventada pelo jornal a fim de aumentar a dramaticidade da denúncia.
Claro que a história só prosperou graças ao previsível erro do governo, como sempre na defensiva. Em vez de sustentar que não há irregularidade nenhuma em dialogar com familiares de presos e afirmar seu compromisso com a melhoria das condições nas penitenciárias, enredou-se em justificativas e morônicas “escusas”.
Gilmar correu para falar sobre o assunto – o Brasil deve ser o único país do mundo em que os juízes da corte suprema atuam também como comentaristas de atualidades e analistas de conjuntura – e botar lenha na fogueira.
O modus operandi de Gilmar, tão óbvio, deveria fazer Lula abrir o olho.
Comenta-se que ele teria decidido pela nomeação de Paulo Gonet Branco para a Procuradoria-Geral da República. Caso nomeie também Bruno Dantas para o STF, seriam não apenas dois oportunistas sem compromisso com a democracia, muito menos com o progresso social, mas também duas pessoas que ampliam o poder de Gilmar. Um político considerado tão habilidoso não deveria fazer isso.
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Luís Felipe Miguel
Professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Demodê - Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades.