É ilusão pensar que STJ ou STF estejam dispostos a barrar injustiça contra Lula. Por Luis Felipe MIguel

Atualizado em 31 de janeiro de 2018 às 7:22

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A mídia corporativa faz um esforço gigantesco para transmitir a impressão de que o julgamento de Porto Alegre encerrou o jogo. A narrativa quase unânime em suas páginas diz que a justiça foi feita, as culpas foram provadas, a isenção do julgamento está acima de suspeita. Agora, trata-se de continuar o jogo. Por isso, o noticiário foca no “plano B” do PT e nos preparativos para a prisão de Lula.

Na tentativa pueril de esconder sua parcialidade de sempre, a mídia dá a entender que a certeza quanto à lisura do processo vem da “qualidade” do trabalho do TRF-4. Chega a ser constrangedor ver colunistas que foram entusiastas da perseguição a Lula desde seus primórdios escrevendo coisas como “eu tinha dúvidas sobre a sentença de Moro, mas os votos dos desembargadores esclareceram tudo”.

Uma legião de juristas já demonstrou, com mais propriedade do que eu seria capaz, os vícios do julgamento de Lula. Ausência de provas, cerceamento do direito de defesa, constrangimento ilegal a testemunhas, enquadramento em crimes inexistentes no código penal, desvio de foro, parti pris contrário ao réu… Não falta nada. Para o condomínio golpista, porém, é fundamental impedir que estes questionamentos sejam levados em conta.

O subtexto é que, sendo justo o julgamento de Lula, é justo todo o processo político-judicial brasileiro dos últimos anos – incluídos, é claro, o golpe que derrubou Dilma Rousseff e seus desdobramentos. E será justa também a eleição de outubro, embora privada do candidato favorito.

A continuidade do processo judicial de Lula, com recursos às cortes superiores, tem muito mais o caráter de denúncia do que de esperança de uma correção das arbitrariedades até aqui praticadas. A apresentação dos recursos abre uma brecha, ainda que pequena, para a exposição dos vícios do julgamento. Mas se ilude quem pensa que STJ ou STF teriam um pingo de disposição de resistir ao cerceamento das liberdades e dos direitos que está em curso.

A mídia propaga a ideia de que o STJ poderia adiar ou evitar a prisão de Lula – o que já mostra o enquadramento escolhido, que despreza a exigência de revisão da sentença propriamente dita. Mas é claro que a decisão sobre prender ou não o ex-presidente não tem nada a ver com o processo legal, assim como sua condenação não teve. O que está em questão é a conveniência política e a estimativa do efeito que terá, o cálculo de custo-benefício, isto é, se aprisioná-lo mais estimula ou mais arrefece a resistência popular.

A eleição de outubro também deve ser vista como um espaço de propaganda; dificilmente como aposta para reversão do quadro. A pequena brecha que o debate eleitoral abre permite denunciar o processo em curso. Boas votações de candidatos antigolpistas ampliam os custos da manutenção dos retrocessos.

Mas está claro que a coalizão golpista não chegou até aqui para em seguida entregar o poder a alguém que não estiver alinhado com ela e contar apenas com esse capital insignificante, o apoio da maioria da população. A campanha certamente será pesada. Assim como Lula foi afastado, outros candidatos que parecerem competitivos podem sê-lo. Se ainda assim um candidato próximo do campo popular se sagrar vitorioso, ninguém sabe se tomará posse, muito menos se conseguirá governar.

Isso não é alarmismo, é realismo. A ruptura do compromisso das classes dominantes com as regras mínimas do ordenamento democrático-liberal é profunda e nada indica que está para ser revertida.

Para que o seja, é necessário alterar a correlação de forças na sociedade. É necessário investir na reorganização do campo popular e na ampliação de sua capacidade de resistência.

Isso não se faz com bravatas de palanque. Não adianta falar em “desobediência civil”, como fez o senador Lindbergh Farias, sem a menor organização capaz de colocá-la em marcha. Também é sem sentido reclamar, como vi parte da esquerda antipetista fazendo, que Lula obedeceu à absurda determinação de entregar o passaporte, porque ele estaria se submetendo à ordem imperante e injusta. Desobediência civil não é porra-louquice ou martírio individual.

Há mais de cem anos, Rosa Luxemburgo escrevia que “é impossível propagar a greve de massas como meio abstrato de luta assim como é impossível propagar a revolução. A revolução e a greve de massas são conceitos que enquanto tais significam apenas a forma exterior da luta de classes, que só têm sentido e conteúdo em situações políticas bem determinadas”. (“Desobediência civil”, claro, bem poderia entrar na lista de exemplo da pensadora polonesa.)

Ou seja: o necessário é investir no trabalho político e assim construir as condições de uma ação mais ofensiva dos grupos dominados. Infelizmente, a noite que se abateu sobre o Brasil será longa e superá-la exigirá muita luta. Sonhar com uma saída milagrosa é só isso: sonho.

.X.X.X.

Luis Felipe Miguel é professor na UNB.