É injustificável inexistir investigação sobre conteúdo de mensagens do Intercept. Por Kennedy Alencar

Atualizado em 15 de julho de 2019 às 19:42
Fux, Dallagnol, Moro e Carlos Fernando. Ilustração: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil/Reprodução

Publicado originalmente no blog do autor

POR KENNEDY ALENCAR

É injustificável que não exista até hoje uma investigação oficial a respeito do conteúdo dos fatos que vêm sendo revelados desde 9 de junho com base no arquivo do site “The Intercept Brasil”.

O que já foi trazido a público por uma série de reportagens do site e de outros veículos de imprensa mais do que justifica a abertura de uma investigação específica sobre eventuais crimes cometidos pelos principais atores da Lava Jato, como o ex-juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça, e o procurador da República Deltan Dallagnol.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, está silente. Na Procuradoria Geral da República, o rumor é que esse silêncio se deve a uma tênue esperança de ser reconduzida ao cargo pelo presidente Jair Bolsonaro. O atual mandato dela termina em setembro.

Dodge tem histórico de críticas ao modus operandi de estrelas da Lava Jato, mas não tomou até agora nenhuma medida de conhecimento público para averiguar a gravidade das revelações sobre Moro e Dallagnol, que apontam um conluio ilegal. Na prática, Moro controlava a investigação, atuando como juiz e investigador, o que é proibido pela lei.

Existem subprocuradores e procuradores da República que também poderiam ter adotado algum procedimento a respeito do conteúdo das mensagens. E, além da Procuradoria Geral da República, há outras entidades do Judiciário e do Ministério Público que possuem poderes correcionais.

Vamos lá: Supremo Tribunal Federal, Conselho Nacional de Justiça, Conselho Nacional do Ministério Público, Conselho da Justiça Federal e o próprio TRF-4. Todos esses órgãos têm de ser cobrados a se manifestar a respeito do conteúdo das mensagens que mostram que estrelas da Lava Jato corromperam garantias e procedimentos do Judiciário.

O Brasil está numa encruzilhada. Se ignorar o caso, vai pegar a trilha de uma república de bananas. Se mostrar que a lei vale para todos, inclusive para aqueles que têm a obrigação de aplicar a lei, o país seguirá o rumo de uma democracia plena.

Polícia de governo ou de Estado?

Por ora, está em curso uma investigação da Polícia Federal sobre suposto hackeamento. A PF é subordinada a Moro, cuja conduta como juiz foi abalada pelas mensagens que trocou com Dallagnol.

A PF não pode ser uma polícia de governo. Deve se comportar como polícia de Estado.

O Judiciário e o Ministério Público tampouco podem fechar os olhos para a gravidade dos fatos. As mensagens, cuja veracidade foi atestada por diversos veículos e jornalistas que tiveram acesso ao arquivo da equipe de Glenn Greenwald, mostram uma corrupção do sistema judiciário. Não há outra forma de enxergar o caso. A imprensa tem um papel cumprir. Como a lei, o jornalismo deve valer para todos.

No final de semana, a revista “Veja” e o jornal “Folha de S.Paulo” trouxeram novas revelações. A revista narra uma versão de Dallagnol sobre conversas com o desembargador João Pedro Gebran Neto, relator da Lava Jato no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), corte sediada em Porto Alegre.

Dallagnol trocou mensagem com o procurador Carlos Augusto da Silva Cazarré dizendo que teve “encontros fortuitos” com Gebran. Nessas ocasiões, o desembargador teria considerado fracas as provas contra o réu Adir Assad, acusado de ser operador de propinas na Petrobras.

A “Folha de S.Paulo” publicou reportagem com o seguinte título: “Deltan montou plano para lucrar com fama da Lava Jato, apontam mensagens”. A leitura do texto, inclusive das mensagens trocadas entre Dallagnol e o procurador da República Roberson Pozzobon, deixa mal na foto dois investigadores Lava Jato.

Emerge um retrato que mistura ambição financeira desmedida e corrupção da função pública. Dallagnol industrializou as palestras. Queria “lucrar, ok?”, como escreveu no Telegram. A ética pública passou longe dali. Recomendo a leitura da íntegra da reportagem da Folha, incluindo as mensagens. Antes, é bom tomar um omeprazol ou um sal de frutas.