E o argentino levanta a placa: “Eu já sabia”. Por Marcos Nunes

Atualizado em 11 de abril de 2018 às 13:16

Há um filme argentino, “A Cordilheira”, recente, de 2017, que ainda não chegou ao Brasil, e talvez jamais venha a ser exibido.

Trata de política no universo americano, isto é, América do Sul, Central, do Norte, e Caribe.

A produção, dirigida por Santiago Mitre, agrega três países: Argentina, Espanha e França. É a sinopse: “Os presidentes dos países da América do Sul e o do México irão se encontrar no Chile para discutir a Associação Petroleira do Sul, uma organização que visa fortalecer a posição dos mesmos em relação à compra e venda de petróleo. Hernán Blanco (Ricardo Darín), o recém-eleito presidente da Argentina, segue para o local sob uma certa desconfiança, já que há contra si a ameaça de que um antigo desvio em fundo de campanha seja revelado publicamente. Além da pressão inerente ao encontro e a sombra do presidente brasileiro, Oliveira Prete (Leonardo Franco), ele precisa lidar com questões pessoais devido aos problemas psicológicos de sua filha, Marina (Dolores Fonzi)”.

Lendo a sinopse podemos pensar que se trata de retrato íntimo de alguém em posição de poder. Mas não é, embora também seja (um pouco).

Na verdade, o presidente argentino, Hernán Blanco, é um daqueles eleito em meio ao descrédito, forjado pela mídia, da política e dos políticos. Se candidatou enquanto “homem simples, do povo”. Obviamente, não é nada disso, embora tenha origem interiorana, e a tenha usado enquanto candidato da “Argentina real”. Alguém a quem podemos alcunha de “populista de direita”.

Sigamos: este presidente, acossado por uma denúncia de superfaturamento quando era dirigente em sua província, parte para o encontro com todos os demais presidentes latinos do continente americano, no Chile, objetivando a formação de uma associação de produtores de petróleo, uma OPEP do Cone Sul (agregada à América Central e Caribe). Assim, foge à denúncia, para a frente, como convém.

Esse encontro é praticamente presidido pelo presidente brasileiro, Oliveira Prette, “que os especialistas políticos internacionais consideram uma das 5 pessoas mais influentes no mundo” assim apresentado por uma repórter que o entrevista: “Seu perfil político cresceu demais nos últimos anos. Você reduziu como nunca antes os níveis de pobreza no seu país. Caíram para um dígito os índices de desemprego e de analfabetismo”. Não dá para esconder: traços por demais correspondentes ao presidente Lula. Ainda mais quando ele diz o seguinte:

“Sou presidente de um país, um país imenso e complexo, com uma história de injustiça e desigualdade. Sou um estadista, não um visionário. Desempenho uma função. A minha função é fazer uma das regiões mais desiguais da Terra começar a inverter a sua história e se tornar um lugar digno e justo para quem vive nele.”

E continua, depois e, divergindo um pouco do modelo, ao dizer não gostar de metáforas, que:

“Mesmo com nossos inimigos, os Estados Unidos. Eles não são nenhum Grande Satanás. Apenas têm um modo obscuro e violento de fazer negócios. Satanás não existe. Negócios escusos, sim. Minha função como presidente brasileiro é prevenir que quem faz negócios com meu governo não causem mais danos, enriquecendo às custas da fome e da dignidade das pessoas. E essa é uma missão muito difícil.”

Temos, então, um presidente argentino com traços semelhantes a Mauricio Macri, à volta com escândalo de superfaturamento, mas que se diz aliado do presidente brasileiro, um Lula que não gosta de metáforas.

Em meio às negociações, tenta impor, o presidente mexicano, a participação norte-americana no grupo. Segundo ele, os norte-americanos possuem uma proposta melhor para o México, mas também melhor para todos. Principalmente os que temem o poder do Brasil. Segue, portanto, o México, sendo uma garantia para os Estados Unidos que, os demais países do continente, continuarão dentro de seu redil.

O presidente argentino, acuado pela filha que, estranhamente, tem “recordações” impossíveis para ela, mas que remetem a um crime por ele praticado anteriormente, se vê também pressionado pelo mexicano. Em meio a isso, pede ao seu Ministro das Relações Exteriores, já entusiasta da ideia, um encontro com um representante do governo norte-americano, que se encontra em Santiago, disposto a abrir negociações, objetivando, na verdade, implodir a Associação de Petroleiros, a OPEP latina.

Nesta negociação com o emissário norte-americano é que o presidente argentino, representado com simpatia por Ricardo Darín, se revela, bem como as intenções e os desdobramentos da interferência norte-americana no encontro econômico.

Primeiramente, fala o emissário norte-americano:

“Todos sabem quem é o presidente dos Estados Unidos. Há apenas um. Mas há tantos no resto do mundo, há demais deles para se acompanhar. Às vezes, podemos ser um pouco categóricos… Tenho autorização do meu presidente para negociar os termos de um acordo”

E avisa:

“Saiba de uma coisa. Fomos nós que inventamos esse jogo. É como o beisebol. Somos invencíveis. O brasileiro é um sujeito ousado, sempre tentando fazer um home run.”

Também especifica:

“Somos sempre os vilões. Todos concordamos com isso, certo? Mas os outros caras… Os que não são os vilões… Não são muito melhores.”

Impõe, então, sua estratégia:

“Você liderará a oposição à entrada dos EUA na Aliança Petroleira do Sul. Falará em proteger os interesses da América Latina, e quando jogarem merda no ventilador, o México aparecerá como vilão. Ao final será decidido que o bom e velho imperialista Tio Sam será barrado na Aliança. Então, alguém sugerirá expandir a Aliança para incluir todos os países da América Central. Você não terá problema algum com isso. Afinal, os EUA não entrarão. Isso nos dará o tempo de que necessitamos para convencer os demais países a nos incluir no acordo.”

“E o Brasil?” – questiona o argentino.

“Nós lidaremos com o Brasil.”, responde o norte-americano.

“Simples assim? E Oliveira Prete?” – mais uma vez questiona Blanco.

A resposta é tão direta quanto enviesada:

“Com Oliveira Prete ou sem Oliveira Prete.”

Para concluir o acordo…:

“Estamos dispostos a lhe oferecer US$ 2 bilhões, para usar como o seu governo achar adequado, no momento que lhe for oportuno, e no lugar que lhe parecer adequado” – propõe, de antemão, depósito em um paraíso fiscal, Barbados, e segue sua arenga hipócrita – “Um procedimento operacional padrão para esse tipo de intercâmbio, usado por grandes nações industrializadas para ajudar nas causas humanitárias que, por um ou outro motivo, não podem aparecer na contabilidade.”

Esperamos que Blanco, o presidente argentino, recue, demonstre integridade. Afinal, é Ricardo Darín. Mas não. Ele fala apenas um número: “Cinco”. Isto é, ele quer cinco, não dois bilhões…

Tudo se finaliza como previsto: no final, através de nações-satélite da América Central, os norte-americanos passam a dominar o mercado de petróleo na América Latina e Caribe. O presidente argentino se vende e, sabemos, o destino do Brasil será… sem Oliveira Prete, então transformado em metáfora de Dilma Rousseff, que será deposta para que a Petrobras perca controle do petróleo brasileiro.

Sendo o filme de 2017, já havia ocorrido o Golpe no Brasil. Mas tudo o que muitos brasileiros insistem em não reconhecer, a participação norte-americana no processo, os interesses na soberania sobre o petróleo após as descobertas no pré-sal, e o próprio passado próximo de um presidente que conduziu o país ao desenvolvimento nunca antes alcançado, tudo está presente neste filme, sem esquecer do caráter corrupto do presidente argentino, do papel de moço de recados do presidente mexicano, e o cinismo do adido comercial norte-americano, “dono do jogo, dono da bola”, que não abdica de seu poder para fazer com que as demais nações sirvam aos seus interesses, não aos de seus povos.

Não sei se “A Cordilheira” será exibido no Brasil. Acredito até que o seja, visto o prestígio de Ricardo Darín por aqui, e a bilheteria que amealha. Mas, se não o for, há como baixá-lo na Internet. Façam isso: baixem, vejam, copiem, o distribuam. Boa parte da atual política americana está nele: a boa parte má, a qual temos, hoje, enormes dificuldades, como o presidente Oliveira Prete, de superar, a bem do almejado futuro do país, objeto de negociações (na verdade, de entreguismo) dos golpistas aí postos… por quem?