E o jornal vai embrulhar o peixe do dia

Atualizado em 10 de novembro de 2012 às 18:04

Como a mídia impressa pode concorrer com a internet, quando tem todas as desvantagens possíveis?

O futuro dos jornais

4h40 (São Paulo), 3h40 (Nova York): Trabalho em casa, lutando contra o sono. Meu computador recebe o download da nova edição do The New York Times. Pago uns 10 dólares por mês para ter todos os dias o NYT em formato digital assim que ele fica pronto. Leio o jornal num reader próprio, que segue uma lógica nova de leitura. Ele chega distribuído por seções convencionais — Mundo, Esportes etc. Em Artes, encontro a resenha de um livro que chama a atenção: Denial, a Memory of Terror. A autora, Jessica Stern, é uma jornalista especializada em terrorismo. Denial é um livro autobiográfico e explosivo: ela conta como foi estuprada aos 15 anos, junto com a irmã de 14. Faz conexões interessantes entre violência sexual e terrorismo. Fiquei com vontade de ler. Nesse momento, mister Paul Rains dorme em seu apartamento no Upper East Side, em Manhattan.

5h03 (SP), 4h03 (NY): Entro na Amazon e procuro o livro. A versão digital custa 11 dólares. Compro. Em 90 segundos um e-mail da Amazon manda o link para download. O livro é aberto no meu Kindle para PC. Mister Rains continua dormindo.

 5h45 (SP), 4h45 (NY): O sono me abandona de vez quando acabo de ler o primeiro capítulo. É o relato cru de um estupro. Mister Rains dorme.

9h15 (SP), 8h15 (NY): Agora durmo. Mister Rains acordou e lê sua edição em papel do NYT enquanto saboreia o breakfast.

10h03 (SP), 9h03 (NY): Mister Rains leva o jornal na pasta para o escritório de advocacia na 16th West. Eu durmo.

12h30 (SP), 11h30 (NY): Acordo e levo meu netbook para o banheiro, onde leio um artigo da edição de dois dias antes. (Mister Rains também queria ler o texto, mas sua empregada Hazel jogou o jornal fora). Vejo nas atualizações do reader que há um novo artigo sobre a rápida expansão das vendas de livros eletrônicos e assinaturas de jornais online. Mister Rains aproveitou um intervalo entre dois clientes para ler o que faltava do jornal. Chegou ao caderno de Artes e descobriu o artigo sobre Denial. Decide comprar. Assim que der. Não fica sabendo do artigo sobre a expansão dos leitores digitais. Jornais de papel não têm update.

14h47 (SP), 13h47 (NY): Volto do almoço e respondo os e-mails urgentes. Leio o segundo capítulo do livro de Jessica Stern. Ela relata como foi desacreditada pela polícia de sua cidadezinha. Como descobriu que seu estuprador fez dezenas de vítimas entre as mulheres locais antes de ser preso e se suicidar na prisão. Mister Rains sai para almoçar. Passa na Barnes & Noble da Quinta Avenida e pergunta por Denial. Acabou, informa o vendedor. Mas se ele quiser, um exemplar pode ser levado até sua casa assim que a nova remessa chegar. Bastava deixar pago num dos caixas da livraria. O senhor Rains paga os 25 dólares com o cartão de crédito e volta ao trabalho.

Três dias depois, o senhor Rains recebeu seu livro na portaria do prédio. Eu já tinha acabado de ler o meu e estava baixando outro.

Este texto foi publicado originalmente na revista Info.