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E se o Estado Islâmico quisesse patrocinar uma escola de samba?

 

Há um certo movimento entre pessoas que se recusaram a assistir o Carnaval no Rio de Janeiro neste ano. A razão principal para o boicote: o financiamento do enredo da Beija Flor pelo ditador africano Teodoro Obiang, da Guiné Equatorial (como se o fato dos bicheiros mandarem na festa há décadas fosse um detalhe).

A maneira como a Globo, que tem os direitos de transmissão, cobre o evento é sintomático e surreal. Na TV, a verborragia sem sentido sobre harmonia, evolução etc ganha um toque extra de loucura. Como um jornalista pode narrar o desfile da Beija Flor sem mencionar que o patrocinador é responsável, por exemplo, pelo genocídio de uma etnia e por espalhar a fama de ser canibal?

Na Globonews, o massacre carnavalesco do exército de repórteres inclui cascatas como uma matéria repercutindo uma pesquisa segundo a qual “ritmos imprevisíveis (!?) fazem bem à saúde”.

O Carnaval é o momento em que a máfia do jogo do bicho mostra sua opulência e sua invenciblidade para milhões. Por causa do entrelaçamento de interesses com o poder público e a mídia, aquela salada corrupta vira apenas “o maior espetáculo da Terra”.

Bicheiros são “patronos”, apropriação de verbas públicas é “investimento em turismo”. Escolas de samba não prestam contas porque, afinal, estão prestando um serviço à comunidade.

A folia de Momo é o momento em que o pobre pode brilhar, dizem. Na quarta feira de cinzas ele ou ela voltam à favela — enquanto a agremiação está com alguns milhões no caixa, grana distribuída entre os mesmos de sempre.

É fanfarronice e corrupção brilhando na tela, esfuziantes. A televisão torna-se uma praça pública em que telespectadores assistem embevecidos um show bancado com dinheiro do crime, dormem e acordam indignados pedindo impeachment.

No ano que vem, o Estado Islâmico vai pagar pelo enredo da Unidos do Vupabuçú. Deve haver uma ou outra decapitação num carro alegórico, mas, ei, isso é fundamental no quesito “alegorias e adereços”. Sem “apoio cultural e artístico” — de acordo com a nota da Beija Flor sobre a grana de Obiang –, não sai nada. A má notícia é que Claudia Raia foi confirmada como madrinha da bateria.

Kiko Nogueira

Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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Kiko Nogueira

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