É surpreendente que existam candidatos a tentar governar o Rio, esse camburão sem freio. Por Marcos Nunes

Atualizado em 4 de setembro de 2018 às 17:44
Cristo Redentor no Rio de Janeiro. Foto: Wikimedia Commons

Falo do Rio de Janeiro. Aqui nasci, aqui não pretendo morrer (por uma única razão: aspiro à imortalidade, ou, pelo menos, à Academia Brasileira de Letras).

Sem brincadeira agora: a situação aqui é triste, muito triste. Depois de bancar suas estripulias pelo mundo afora (Ah, Paris!) com parcela dos royalties do petróleo, Sérgio Cabral deu a sorte (?) de sair do governo quando o valor desse complemento às arcas públicas baixou de 12 bilhões para 4 bilhões anuais. Queira ou não reconhecer a verdade, a população precisa reconhecer que foi isso que quebrou o estado, não a corrupção, moeda corrente desde sempre.

Mas só isso? Não. Em meio á farra dos “petrodólares”, os governantes cariocas simplesmente esqueceram que, como commodity, o petróleo é sujeito a variações. Com a queda de preços, caiu o rendimento. Mas quando era alto, tudo o que fizeram foram obras sem alcance de desenvolvimento econômico e social, apenas para deixar “marcas” de governança. O resultado é que, sem infraestrutura, o estado não tem como se soerguer. A dívida pública ficou impagável, e o governo federal, aproveitando a onda, resolveu que poderia “facilitar” as coisas para o Rio de Janeiro, desde que ele cortasse custos e privatizasse a CEDAE, sonho dourado do mercado que adora explorar recursos públicos para fins de lucros privados.

O desemprego atinge 15,4% dos trabalhadores, acima da média nacional (12,4%). O número de miseráveis absolutos, pobres em desespero, e classe média baixa em estado de penúria, passa de 10%. E os demais não estão muito melhores.

Com tanta miserabilidade e crise do estado, a solução apresentada foi… intervenção militar, visando, mais uma vez, inibir os mais recalcitrantes ao destino de morrer de fome. Resultado? Nenhum. Aumentou o número de mortes, decaiu até o número de apreensões de armamentos (ou?), enquanto o número de furtos e assaltos segue em ascensão, enquanto os mortos inocentes em operações militares em favelas (crianças, mulheres, trabalhadores em direção a seus empregos, etc.) seguem o padrão de extermínio comum às táticas militares.

Como se não faltasse nada, temos ainda a tragédia muitas vezes anunciada, que poderia ocorrer em muitos lugares, como, por exemplo, nos antigos prédios do Centro, a Biblioteca e o Museu de Belas-Artes, mas ocorreu no Museu Nacional, antigo palácio imperial que, há muito, abrigava (e, a partir de agora, não mais) espécimes fósseis, geológicos, etnográficos, objetos de arte e artesanato… Tudo devidamente calcinado, inclusive seres humanos mumificados.

Restou-nos Michel Temer, além das promessas de reconstrução pela via do patrocínio privado pois, como sabemos, o Estado nada pode a favor do patrimônio público, que deve, assim, ser, sutilmente ou não, transferido à esfera privada, da mesma forma que os serviços públicos, em geral, seriam melhor prestados por tais empresas – só que não – e mesmo o cuidado aos cidadãos, certamente melhor assistidos (e devidamente submetidos) pela caridade burguesa…

Diante disso tudo, como reage o carioca (e o fluminense, que não é o time, mas o morador à parte do antigo estado da Guanabara)?

Da melhor maneira possível: 1) se alheando a tudo e a todos, no simples afã da sobrevivência; 2) escolhendo como solução o apoio a políticas de extermínio classista.

Temos eleições, e me surpreende que existam candidatos a tentar governar esse camburão sem freio. Pois as pressões do governo federal e do mercado financeiro não dão alternativas senão entregar mais e mais patrimônio público, sendo que, a privatização da CEDAE, aferiria uns poucos bilhões que não fariam face a mais de 6 meses de salários dos servidores. Informação: a folha é de 3 bilhões mensais, o valor da empresa é de aproximadamente 35 bilhões, mas o lance inicial seria de apenas 3,5 bilhões, o que daria para apenas um mês de folha salarial… Depois, viria o que, o dilúvio, mas sem água?

Contudo, são muitos candidatos. Nenhum a apontar solução alguma. Apenas generalidades. Os que pontuam à frente nas pesquisas, Eduardo Paes, Anthony Garotinho e o ex-jogador de futebol (e conhecido escroque aprendiz) Romário. Dos demais, merecem menção apenas a candidata do PT, Marcia Tiburi, e do PSOL, Tarcísio Motta.

A classe média carioca, de baixo a alta, diante do caos, a bem da pressão midiática, escolheu como prioridade a Segurança Pública. Isso quer dizer apenas que apoiam uma política de extermínio e controle da população favelada, submetida à violência do aparelho policial, fechada em guetos, seguida por câmeras de segurança, especializadas em captação de habitantes de pele escura, decerto.

Parece inacreditável, mas não é: para a maior parte da população, que inclui os pobres, a solução é matar cerca de 1 milhão de habitantes, impor uma ordem marcial, acabar com essa ideia tola de democracia, fazer vigorar a lei do mais forte, tudo isso em benefício… dos mais fortes, e entre esses não estão aqueles que referendam tal “solução”, da qual resultaria não a segurança, mas a insegurança de todos, sujeitos ao poder discricionário de um aparelho de repressão que alimenta sonhos ditatoriais.

Com isso, a desgraça que atinge hoje os miseráveis e desempregados em geral, perseguidos como bandidos, assim generalizados pelos “formadores da opinião pública”, isto é, pelos donos dos jornais, rádios, televisões, e mais acessados sites na Internet, mais páginas do Facebook a disseminar o ódio geral, chegará, “democraticamente”, a todos, MENOS AO 1% que segue lucrando com a crise que, permanente, faz a delícia do capital, pois despolitiza de vez o cidadão que, “descrente da política”, fica, justamente, à mercê da pior classe política que há, por alheia à população, classe de privilegiados do Estado que tem acesso direto ao Erário, usufruindo de rendimentos sequer sonhados pela população que não os veem como causadores de toda essa miséria.

A culpa, é claro, é da esquerda, ensinam os “formadores de opinião”.

Assim seguimos, sem alternativa à vista (já ensinava a madame Thatcher que “não há alternativa” à ordem capitalista neoliberal), dependentes de um processo político sob estrito controle do Judiciário, amparado pela mídia, ocupados somente em enriquecer os mais ricos, solapar direitos e a mera sobrevivência aos mais pobres, impondo um regime autoritário, capitaneado por usurpadores, e todo mundo a serviço do mercado financeiro internacional, cuja preocupação com os povos é NULA.

Não é alarmismo: nos últimos 3 anos, coincidentemente (?!), a extrema pobreza, no Rio de Janeiro, duplicou. Chegamos ao patamar que ocupávamos há 20 anos atrás. Quem é responsável por isso? Claro, é a esquerda, em primeiro lugar, e o povo, em segundo. As classes dirigentes são compostas, dizem eles, por gente esclarecida. Eu digo: déspotas, e sem esclarecimento algum. Apenas uma gentalha gananciosa, hiperindividualista, a escarnecer da classe média que manipula e manda ganir diante de qualquer aceno de que, o imprescindível, na verdade, é constituir de fato um país, e a base dessa construção é o povo enquanto cidadão, não enquanto consumidor.

Pois o cidadão é aquele que conhece o lugar que ocupa na sociedade; sabe que o Estado é um consórcio cuja razão de existir é sua população como um todo, que deve viver, sob determinadas fronteiras, em um regime de igualdade, ou, como já escreveu um tal alemão: “de cada um conforme sua capacidade; a cada um conforme sua necessidade”. Mas isso parece demasiadamente com Paulo Freire, a “besta comunista”…

Nada disso, nem outras tantas questões, passa pela cabeça do eleitor (enquanto cidadão à força).Curiosamente, também não passa pela cabeça dos candidatos à governança… Nos vemos condenados a um segundo turno sem nenhum candidato que se contraponha a isso que aí está, sob risco de seguirmos sob jugo das velhas intenções espoliativas do capital financeiro, enquanto, no plano federal, se busca asfixiar, jurídica e financeiramente, a candidatura do PT (curiosamente, a do PDT é deixada bem à vontade…). Exemplo? Ontem mesmo, a famigerada Raquel Dodge, Procuradora Geral da República (que, se procurar mesmo, não achará), requereu que sejam devolvidos pelo PT os valores recebidos, oriundos do Fundo Partidário.

Volto, porém, ao meu combalido Rio de Janeiro, cuja população de rua aumenta (não sei os números, mas, à guisa de comparação, cito que Nova Iorque possui 70 mil moradores de rua; serão tantos no Rio de Janeiro?), expressão visível da miserabilização de seus habitantes. A cidade, mais do que o estado, espelha a situação brasileira. Tudo que há de bom é sentido primeiramente aqui. Tudo de pior, também. Se alguém acredita que a administração dos fluxos de capital (que resulta dos esforços coletivos de produção social, embora, presentemente, resultem mais dos papéis que se acumulam na mesa de entediados banqueiros) deve ser deixada aos Granes Mestres do Mercado Financeiro, tem aqui a demonstração concreta de que o que disso resulta pandemônio social, político e econômico.

Resta ao cidadão, mesmo que cidadão não o seja por desconhecer seu papel no processo social como um todo, apostar todas as suas fichas no processo político legal, constituído por partidos que expressam seus programas para gestão do Estado, e se propõe como governantes temporários através de eleições sazonais. Mais não se apresenta.

Por isso, aqui no Rio de Janeiro, malgrado a pobreza das exposições de todos os postulantes à governança, resta-me recomendar o voto em Marcia Tiburi ou Tarcísio Motta. Todos os demais representam a continuidade desse processo que teve seu zênite no Golpe que destituiu a presidenta Dilma, com o objetivo posterior de fazer o país descer ladeira abaixo, destruindo com qualquer perspectiva de construção de uma cidadania capaz de gerir seus próprios destinos.

Mais não posso fazer. E isso me aflige e deprime enormemente, como carioca de classe média que sou.