É urgente e imperioso derrubar a Bastilha brasileira. Por Carlos Fernandes

Atualizado em 14 de julho de 2017 às 18:27
Pois é

Há exatos 228 anos, no dia 14 de julho de 1789, ocorria um evento primordial para a revolução francesa. Utilizado como prisão para dissidentes políticos que questionavam o absolutismo da monarquia, a queda da Bastilha é um marco central de um dos momentos mais importantes da história não só para a França, mas para o mundo.

Sem a tomada da Bastilha e tudo dela decorrente, inclusive, talvez não fosse possível a publicação de um documento fundamental da revolução, a famosa Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que definiu como universais os direitos individuais e coletivos do ser humano.

Aqui não é preciso afirmar os sacrifícios que foram necessários serem feitos pelo levante popular para que seus direitos passassem a ser respeitados. Aqui não é preciso lembrar que para a França ser hoje a grande potência que é, foi preciso muitas cabeças rolarem. Literalmente.

Essa talvez seja uma verdade universal que a história nos impõe. Nunca existiu liberdade, igualdade e fraternidade sem luta. Jamais bens tão caros foram dados ao povo por livre e espontânea vontade de seus governantes.

Em momento nenhum de nossa saga humana sobre a terra, a justiça social se deu senão pela desobediência geral a leis injustas.

Dito isso, é lamentável que mais de dois séculos após a queda da Bastilha na França, o Brasil e, sobretudo, o seu povo, ainda hoje sejam tão omissos e submissos a formas de opressão tão medievais quanto ao do sistema absolutista que reinou na Europa a tanto tempo atrás.

Nunca tivemos retrocessos políticos, econômicos, jurídicos e sociais tão gritantes quanto o que estamos assistindo pacificamente nos últimos meses.

Sem qualquer cerimônia, passamos de uma nação que respeitava o estado democrático de direito para sermos um território sem lei onde a convicção de uns poucos impera sobre a constituição, a moral, a ética, a justiça e a soberania nacional.

Sem qualquer espanto, e pior, ainda sob os aplausos de muitos, perdemos do dia para a noite direitos internacionais a muito custo conquistados. Vemos, inertes, cidadãos serem condenados por cortes políticas cujos interesses afrontam diretamente com os interesses da própria democracia.

Nada, absolutamente nada no Brasil de hoje difere, em sua essência, da França de mais de duzentos anos atrás. Enquanto uma elite podre trama abertamente entre conchavos e negociatas a manutenção de um poder que acreditam ser seu por direito divino, o abandono, o flagelo e a martirização de seu povo acontece paulatinamente dia após dia.

Evidente está que com o advento da internet, muita resistência ainda existe nas redes sociais, porém, apesar de ser um poderoso instrumento de compartilhamento de informações e conhecimento, já não se mostra suficiente para barrar o avanço do fascismo neoliberal que ora, estupefatos, presenciamos.

Para que a dignidade de nosso país seja retomada, é urgente e imperioso que também nós derrubemos a nossa própria Bastilha. Na verdade, Bastilhas, uma vez que são muitas.

É impossível sonharmos com um país verdadeiramente republicano e democrata enquanto empresas como a Rede Globo de Televisão ainda ditarem o que universalmente já é conhecido como “pós-verdade”.

É impensável vislumbrarmos um futuro digno para esse país enquanto ainda formos humilhados e desacreditados por um sistema judicial paquidérmico, viciado e corrupto como o que temos desde sempre.

É inconcebível sermos uma verdadeira nação, com tudo o que esse termo de fato abarca, sem a deposição implacável de um congresso nacional povoado pela pior estirpe de bandidos e criminosos da mais variada monta.

É possível que tenhamos chegado a um momento ímpar de nossa história. Ou fazemos a nossa própria revolução ou estaremos condenados a vivermos à margem do que é humanamente aceito. Ou lutamos ou morremos.

Por tudo isso, não há outro caminho.

Às ruas.