Ecofeminismo e bem viver: entenda os conceitos do mandato coletivo do PSOL em SC

Atualizado em 2 de dezembro de 2020 às 9:03
Coletiva Bem Viver em plena campanha em Florianópolis (SC) – Divulgação / Coletiva Bem Viver

Originalmente publicado em BRASIL DE FATO

Por Daniel Giovanaz

Florianópolis (SC) elegeu, em 2020, o primeiro mandato coletivo da história do município. Para além dessa novidade, que por si só impõe desafios à organização interna da Câmara, as cinco covereadoras eleitas pelo PSOL esperam colocar em prática conceitos como ecofeminismo e bem viver.

“Toda a discussão da campanha foi pautada a partir do olhar do ecofeminismo, que é um conceito ainda em construção”, lembra uma das integrantes do mandato, Lívia Guilardi, em entrevista ao programa Bem Viver. “Quando decidimos pela candidatura coletiva, entendemos que fazia sentido uma candidatura coletiva feminista e ecossocialista. Nosso horizonte estratégico é a superação de toda forma de exploração e da opressão, com todas as prerrogativas vinculadas ao socialismo, mas também da destruição progressiva do planeta”.

Mandatos coletivos são o resultado de candidaturas que reúnem mais de uma pessoa sob o mesmo número, com a promessa de uma gestão horizontal e sem hierarquias. Além de Lívia, integram o mandato Cíntia Mendonça (titular e única autorizada a votar no plenário), Mayne Goes, Marina Caixeta e Joziléia Daniza Kaingang.

Na compreensão delas, as mulheres são impactadas de forma diferenciada pelas mudanças climáticas. Lívia lembra que, na região do semiárido, por exemplo, as políticas públicas costumam ser vinculadas a uma referência feminina, devido à relação que cultivam com os territórios e o papel de cuidado da família e dos filhos que desempenham.

“Em 2016, Florianópolis elegeu uma única mulher, que não se identificava em nada com a pauta feminista e feminina, chegando a ponto de ela não participar da Comissão de Mulheres da Câmara – que é formada apenas por homens”, enfatiza. “É muito diferente quando a mulher é a protagonista. O tema das creches, por exemplo, é muito caro para a construção feminista, porque tem relação com o direito ao trabalho da mulher”.

Bem Viver

Lívia explica que o olhar do mandato coletivo sobre a cidade também será pautado pelo conceito de Bem Viver, que bebe da fonte da filosofia dos povos originários da América Latina. Esta se baseia na reciprocidade entre as pessoas, da amizade fraterna, da convivência com outros seres da natureza e do respeito pela terra. Ou seja, convivência harmoniosa entre cosmo, natureza e humanidade.

“O conceito de bem viver traz um olhar em relação à natureza que extrapola ou desconfigura toda a construção social hoje colocada, de separação da humanidade e da natureza”, pontua a covereadora eleita. “Também propomos diálogo e respeito às expressões culturais e formas de desenvolvimento das diferentes etnias que temos no município. Esse novo olhar contribui para avançarmos em direção ao horizonte de uma sociedade livre de opressões”.

Florianópolis tem 42 praias, além de dunas, rios, mangues e lagoas. O turismo é um fator importante de dinamização da economia, e empreendimentos recentes dos setores náutico e hoteleiro causaram conflitos entre ambientalistas e grandes empresários.

O mandato coletivo do PSOL não vê contradição entre preservação ambiental e geração de renda por meio do turismo. “Há diferentes formas de dialogar com o turismo. A atual gestão prioriza o turismo de massa, a atividade imobiliária, sempre visando atender ao 1% mais rico, e não à população como um todo”, critica Lívia.

“Se o turismo tem vínculo com os atributos naturais de Florianópolis, é um contrassenso destruir esses atributos para fomentar o turismo e concentrar renda”, acrescenta. “Pode-se pensar em iniciativas de ecoturismo, políticas com protagonismo social. O projeto da marina da Beira-Mar, que é um dos mais polêmicos, por exemplo, vai impactar uma comunidade de pescadores ao norte. Ela vai gerar emprego em um primeiro momento, mas a longo prazo vai contribuir para a distribuição ou concentração da renda?”, pergunta Lívia.

Agroecologia

Outro pilar do mandato coletivo é a agroecologia – produção de alimentos de forma culturalmente sensível, socialmente justa e economicamente viável. As cinco vereadoras se somam ao mandato do vereador reeleito Marquito (PSOL) para defender essa bandeira e repensar a produção e redistribuição de alimentos na cidade.

O primeiro passo, segundo Lívia, é incluir a área continental da cidade entre os territórios livres de agrotóxicos. No ano passado, uma Lei Municipal proibiu o armazenamento e a aplicação de qualquer tipo de pesticida na Ilha de Santa Catarina, onde vive cerca de dois terços da população.

“Florianópolis produz muito pouco do que consome”, analisa a covereadora eleita. “Precisamos avançar no fomento à produção agrícola local, com espaços adequados de comercialização de produtos agroecológicos. Outro passo é garantir que áreas do município sejam cedidas para hortas comunitárias, por exemplo, e garantir que todo resíduo orgânico do município seja compostado, conforme projeto de lei encabeçado pelo Marquito”, enumera.

Sem regulamentação

Os mandatos coletivos não têm previsão legal. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o mandato é pessoal e intransferível, conforme a legislação eleitoral, e só o titular tem direito a voz e voto no plenário. Ou seja, os “coparlamentares” atuam nos bastidores, formulando coletivamente os posicionamentos que serão levados ao plenário.

As covereadoras eleitas pelo PSOL em Florianópolis estão cientes dessa dificuldade. Em entrevista recente ao Brasil de Fato, Mayne Goes disse que o grupo pretende dialogar com a Câmara Municipal para permitir que as cinco estejam no plenário. A horizontalidade será um princípio inegociável: as cinco produziram um documento em que concordam em dividir igualmente os salários e fazer votações internas, sem nenhum tipo de hierarquia, para definir os posicionamentos e as propostas a serem levadas ao plenário.

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 379, que propõe regulamentar a atuação dos mandatos coletivos, está parada desde 2017 na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.