Economista explica escândalo das Americanas ao DCM: “Mentindo para o Brasil”

Escândalo das Lojas Americanas também se conecta com a privatização da Eletrobras e até com fundos do Nubank

Atualizado em 23 de janeiro de 2023 às 10:36
Escândalo das Lojas Americanas: Os sócios bilionários no livro Sonho Grande e o BTG Pactual, que reclama na Justiça
Escândalo das Lojas Americanas: Os sócios bilionários no livro Sonho Grande e o BTG Pactual, que reclama na Justiça. Foto: Reprodução

Assessor econômico na Câmara dos Deputados pelo PSOL, David Deccache é bacharel, mestre e doutorando em Economia pela UnB. É defensor da Teoria Monetária Moderna (MMT), que encara a moeda como “dívida pública”.

Em seus estudos, ele critica a austeridade fiscal de economistas neoliberais e se alinha a uma ala da esquerda que não deseja ver o governo Lula deixando de cumprir suas promessas mais desenvolvimentistas de campanha.

No dia 18 de janeiro, Deccache concedeu uma entrevista aos jornalistas Kiko Nogueira e Pedro Zambarda no DCMTV. De forma didática, ele explicou o escândalo bilionário contábil das Lojas Americanas e os sócios Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira.

Alguns highlights:

A mídia está escondendo a cobertura do caso Americanas porque o Jorge Paulo Lemann é dono da Ambev, que patrocina os veículos. É o feijão com arroz. Isso dá uma pista das resistências que o governo Lula enfrenta ao abordar salário mínimo, coisa que essa gente não gosta.

O caso das Lojas Americanas eu considero fundamental para a gente ter uma relação pedagógica com a população. A partir desse caso, a gente consegue puxar fios. A partir deles, a gente consegue revelar muitos esquemas.

São tantos esquemas que a gente não consegue sequer imaginar. As palavras do BTG [Pactual], do André Esteves, que teve o Paulo Guedes, e eu adoro quando os capitalistas começam a brigar entre si, é uma briga linda, quero que eles se matem, revelem os podres de um e do outro.

O BTG vai acabar tomando um calote milionário das Americanas. Eles estão revoltados. Disseram o seguinte: “O Lemann é um semideus do capitalismo mundial. Semideuses no capitalismo são protegidos pela Justiça. Os menores como nós, que temos só alguns bilhões, sofremos as opressões da Justiça”.

Eles reclamaram da Justiça. Que só vai para os menos bilionários, não para os mais bilionários. O André Esteves se ressente por ter estado em Bangu. É sério. Eles falam isso quando vão recorrer de uma decisão que protege as Americanas do saque dos credores.

Até para eles, a Justiça protege os grandes bilionários em detrimento aos pequenos, porque eles agem como semideuses. “Não podemos mais permitir isso!”. Isso, para eles, é o “maior escândalo de corrupção do mercado de capitais do Brasil”. É curiosíssimo o que o BTG alega ao recorrer da decisão. 

E parte da imprensa usa termos como “inconsistências contábeis”. Pelo amor de Deus! Os caras estavam escondendo 40 bilhões de endividamento para inflar o valor de mercado da empresa. É isso.

Os caras estavam escondendo a dívida, contabilizavam com o fornecedor e inflavam o estoque. Aí o valor da empresa subia inflado. Isso curiosamente pagava bônus milionário para a diretoria que fazia parte do esquema, que fazia parte “por acidente”.

Quem nunca contabilizou 40 bilhões “por acidente” na planilha do Excel? Esses caras que ganhavam milhões por conta da fraude, do crime. Esses 18 diretores ganhavam de forma “acidental”, certo? Não queriam fazer isso. Óbvio.

E o curioso é que essa “inconsistência” ocorre há pelo menos 10 anos. Inflando o valor da empresa. Olha só que curioso. Distribuindo dividendos em algo basicamente fictício. E quando distribui dividendos, não se paga imposto de renda no Brasil.

Quem tem “meritocracia” não tem que pagar imposto! Porque essa gente “trabalha”, certo?

Quem não trabalha é o operário da construção civil. Isso é mole. O duro é fazer fraude contábil. Por isso que eles não têm que pagar imposto de renda. Só professor tem que pagar. Porque ele fica lá ensinando crianças. Enfermeiro fica cuidando de pessoa doente. Isso não é “trabalho”. Isso que os executivos fizeram é que é trabalho.

Esses homens é que dão valor para o Brasil. Maquiando a contabilidade e mentindo para o Brasil. A partir disso a gente vai puxando fios e é curioso até onde a gente consegue chegar.

O fio entre a privatização da Eletrobras e o caso das Americanas

A gente puxa a Eletrobras. Lembro que, quando a gente questionava a avaliação da Petrobras, a precificação, diziam que é “coisa do PSOL que não sabe fazer conta”. Quem fez a auditoria das Americanas foi a PwC, meus caros parlamentares!

Você tem noção de quantos gênios tem na PwC? Da avaliação que os minoritários fizeram da Eletrobras? É isso que eles alegavam. Argumento de autoridade. “A PwC avaliou todos esses balanços”. “Balanços criminosos” segundo o BTG, que chama o Lemann de “criminoso”, não o que eu ou você falamos.

A PwC avaliou tudo positivamente e deixou passar, como um “esquema de corrupção”. E a mesma PwC que avaliou o “esquema de corrupção” do Lemann precificou a Eletrobras que é controlada principalmente pelo Lemann hoje.

Ele tem as principais ações preferenciais da empresa. Veja só. A mesma empresa que auditou as Lojas Americanas, fazendo com que Lemann tivesse capital fictício, fruto de uma grande manipulação, de um grande roubo, é a mesma que avaliou a Eletrobras que ele adquire a maior parte das ações preferenciais.

A gente começa a olhar esse esquema e é um negócio assustador. Os esquemas que Lemann faz para não tributar a Ambev também são assustadores. A defesa dele na Reforma Administrativa e Fiscal para destruir as universidades públicas.

É assustador porque ele também é dono de conglomerados de educação privada no Brasil, por isso ele ataca fortemente o ensino superior. Esse cara tem uma bancada de parlamentares. Quando a gente olha tudo com alguma distância, a gente vê os fundamentos da coisa toda.

E é interessantíssimo notar que esses caras, apesar de fazerem isso tudo, eles ainda são muito respeitados pela imprensa. Muito respeitados. E são criminosos. Quem fala isso é o BTG. Os caras tentaram sacar R$ 800 milhões horas antes da ação do banco. Sabiam disso?

Eles tentaram dar um golpe no BTG e o BTG não gostou. Não pode roubar ladrão. E ainda são levados a sério. São convocados a falar sobre Reforma Tributária. Colei no meu Twitter matérias do Valor Econômico elogiando a gestão das Americanas no meio do ano passado, recomendando a compra de ações.

Por que essa recomendação? Porque o Brasil “corre risco de insolvência” com a eleição do Lula. “Compre ações das Americanas”. Esses caras falavam isso. Porque o Lula iria subir o salário mínimo “para ferrar o povo”. Compre ação das Americanas e se dê bem.

Como o Nubank aparece no caso das Americanas

Outra coisa que é incrível. O Nubank criou um aplicativo muito intuitivo. Muito agradável de se usar. Nele, eles não chamam mais isso de fundos de investimento. Porque não é moderno para se usar.

É uma caixinha. Lá existe uma caixinha para você realizar o seu sonho futuro. Comprar o carro próprio. Viajar. Para pagar a faculdade do seu filho. E tem uma caixinha no Nubank de reserva de emergência.

É uma caixinha segura para você recorrer num momento de necessidade. É aquela parte da renda que o cara deixa com liquidez alta. O que tinha dentro desse troço? Papel das Lojas Americanas.

Um milhão de pessoas faziam parte dessa caixinha, que deveria estar não em ações, mas em títulos públicos. Ou em investimentos garantidos. 

A gente vai puxando o fio. É crime na Eletrobras, nas Americanas. No final das contas, quem paga a conta é o povo, porque esses caras continuam sendo respeitados. Vão continuar pressionando o governo a não dar o salário mínimo. Vão continuar pressionando o governo a cortar gastos no ensino superior.

E dizem que fazem isso baseados nas “mais rigorosas análises técnicas”. Temos economistas que trabalham na PwC. Eles falam que o governo vai quebrar se gastar com salário mínimo. E os políticos do Lemann. O que eles falam? “Nós não fazemos política baseado em luta de classes. Isso não existe”.

A bancada dele no Congresso toda sempre fala isso. “O que fazemos é política baseada em evidências”. É assim que eles tratam a questão. 

Eles não chamam o caso das Americanas de “corrupção”. Para o povo entender, o que aconteceu foi simples. Ao invés de contabilizar empréstimos de banco como empréstimos, eles contabilizaram como caixa. Você inverte a sua situação financeira. É só isso.

Esse “erro” fazia a empresa turbinar seu valor de mercado.

Confira a entrevista completa abaixo.