Ed Motta e o perfeito erudito idiota

Atualizado em 10 de abril de 2015 às 22:33
Quase gênio
Quase gênio

Ed Motta representa perfeitamente aqueles que Nietzsche chama de eruditos. Seu grande problema é colocar a técnica musical e a racionalidade num altar e esquecer-se de todo resto, inclusive de como se relacionar com as pessoas.

O cantor afirma que seu show não é para “pedreiros brasileiros” e pede encarecidamente que essa “turma mais simplória” não vá a suas apresentações “beber cerveja barata e começar a gritar nomes de times”.

“Não gaste seu dinheiro, e nem a paciência alheia atrapalhando um trabalho que é realizado com seriedade cirúrgica”

Ed Motta tem a seriedade cirúrgica clássica do erudito. É tarefa árdua encontrar uma entrevista em que não tenha destilado ignorância e erudição, provavelmente a disfarçar um profundo complexo de inferioridade.

Talvez por ser brasileiro, negro, gordo ou sobrinho de Tim Maia.

Sua busca pela perfeição técnica seria assim uma maneira de compensar a falta do amor que não recebe por ser tão desagradável.

E, de fato, é bastante técnico, sem dúvida um bom instrumentista, virtuoso em improvisações e truques vocais diversos, apaixonado por timbres, escalas pentatônicas, ornamentações… um artista que dedica sua vida à música, que tem uma coleção enorme de discos e pouquíssimos fãs.

Orgulha-se de não ser popular, pois para um erudito de raiz ser compreendido pela massa é sinal de decadência. Como um advogado que se orgulha de escrever em um juridiquês intragável e de usar expressões que ninguém conhece.

Ed Motta, assim como muitos advogados, músicos, médicos, magistrados, engenheiros, economistas, sociólogos, jornalistas, psicólogos, é vítima de um processo longo e contínuo de supremacia da técnica e da especialização sobre o pensamento profundo, aquele capaz de meditar.

Esses eruditos e especialistas passam assim pela vida, nas palavras de Nietzsche, “decompondo a grandeza da existência em simples manchas, do mesmo modo como, na ópera, se usa um binóculo para ver a cena e examinar um rosto ou um detalhe, nada inteiro”.

Quem aprecia o virtuosismo de Ed Motta deve talvez por isso perdoá-lo mais facilmente por sua boçalidade fora dos palcos, como os fãs de futebol perdoam Pelé. Não que Ed Motta seja um Pelé da música, longe disso. Talvez no máximo um sobrinho do Pelé, especialista em uma arte que ninguém conhece e incapaz de ser amável.