Editoriais não curam a cumplicidade. Por Fernando Brito

Atualizado em 8 de agosto de 2020 às 22:15

Publicado originalmente no Tijolaço:

Por Fernando Brito

O Globo, a Folha e o Estadão publicam editoriais a propósito dos 100 mil mortos do coronavírus.

É um número terrível, mas dele não podemos deixar de reconhecer que estávamos avisados de que aconteceria..

Como também o país estava avisado do que poderia ser este governo que assiste, inerme e indiferente a este massacra, menosprezando a vida dos que se foram e a dor dos que ficaram.

Os três jornalões sabiam – embora desconhecessem a forma pela qual isso aconteceria – a que desastre o país estaria exposto com a impensável eleição de um alucinado, um fanático, um irresponsável que defendia a tortura, que dizia que ia exilar, metralhar e que prometia armas para todos os que pudessem comprá-las.

Convenhamos que, diante disso, sacudir caixas de cloroquina adiante de asnos e emas no gramado do Alvorada não chega a ser uma surpresa.

Mas, diziam, era “uma escolha difícil”.

“O maior responsável pela tragédia se chama Jair Bolsonaro”, brada a Folha, enquanto O Globo afirma que “é inequívoca a responsabilidade do presidente Jair Bolsonaro, a quem cabia, por meio do Ministério da Saúde, coordenar o combate à mais letal pandemia em cem anos”. O Estadão faz coro aos dois e diz que “construiu-se essa tragédia porque, pelo mau exemplo dado pelo chefe do Executivo, milhões de brasileiros se sentiram seguros para furar a quarentena e provocar aglomerações porque, acreditando nele, não acreditaram na gravidade da doença ou confiaram no curandeirismo presidencial”.

Mas digam os senhores editorialistas: também os senhores não reagiram senão tibiamente diante de outras coisas pavorosas, como o “kit gay”, a “mamadeira pornô”, ou aceitaram e aplaudiram arapucas como do triplex do Guarujá, endeusando um personagem que, estava evidente, usava a toga como instrumento de campanha eleitoral?

Nada disso lhes importou para alcançar o objetivo que sempre nutriram, o de derrubar um governo de viés popular, ainda que nada avaro em benefícios e privilégios para as elites.

Comentaristas da TV, cofiando seus bigodes, exigiam repetidamente “autocríticas”. Não a fizeram, agora, pelo que permitiram fazer-se em 2018.

Só há uma autocrítica possível para as elites brasileiras, incluídas nelas a mídia e as corporações judiciárias: a de reconhecerem que o Brasil já não pode ser governado com a exclusão da centro-esquerda e muito menos com a intromissão militar nos espaços políticos.