Eduardo Bolsonaro mostra que quer superar seu pai. Por Renato Bazan

Atualizado em 13 de novembro de 2018 às 16:57
Jair e Eduardo Bolsonaro

Publicado originalmente no jornal GGN

POR RENATO BAZAN, jornalista

O que torna uma pessoa monstruosa? Eis um bom indício: a incapacidade de olhar no espelho e reconhecer o desejo pela tragédia alheia. É o motivo pelo qual monstros nunca se reconhecem como tal – falta-lhes a sensibilidade, inclusive, para que percebam o sentimento que move suas ações.

A entrevista de Eduardo Bolsonaro ao Estadão nesta segunda-feira (12) é uma vitrine de indignidades, mas a mais preocupante é a leveza com que descreve as violências pretendidas. O momento mais flagrante virou inclusive manchete: “Se for necessário prender 100 mil, qual o problema?”. Eduardo referia-se aos seus oponentes políticos, os movimentos sociais, caracterizados como “terroristas” por queimarem veículos e ocuparem imóveis desabitados.

A longa conversa demonstra, mais uma vez, a incapacidade da família Bolsonaro de lidar com a diferença. Eduardo fala que discutir o machismo “não contribui em nada”, que “todo mundo tem pena de bandido”, de professores que emboscam alunos em aula para doutrinar com o “marxismo cultural”. Depois elogia medidas de perseguição política como as aprovadas na Polônia e na Ucrânia, que criminalizam o “comunismo” – naquilo que é entendido pelos seus carrascos, evidentemente. Quanto tempo falta para pararmos na cadeia?

A fixação pela cadeia, inclusive, se exibe em Eduardo com a mesma intensidade que aparece em Jair, levando-o à paranoia. Por outro lado, há entre Eduardo e Jair uma diferença preocupante de preparação. Enquanto Jair se apoia em boataria de WhatsApp e preconceitos sufocados, seu filho abandonou o boteco faz tempo. Eduardo abraça a aparência de intelectualidade e, com ela, multiplica todas as promessas autoritárias de seu pai.

O exemplo fundamental é numérico: enquanto Jair vocifera que “quer matar 30 mil”, Eduardo fala calmamente em “prender 100 mil” (numa concepção de cárcere muito próxima do assassinato, da desumanização total). Enquanto Jair esbraveja sobre supostas conspirações da esquerda para chegar ao poder, Eduardo reflete sobre como poderia “aproveitar essa onda conservadora para dar uma resposta ao Foro de São Paulo”. Enquanto Jair dá respostas xucras para perguntas difíceis, Eduardo pede para “discordar da premissa” da pergunta e encaixar uma realidade paralela na qual o jornalista age por ignorância ou má-fé.

Enquanto Jair “é favorável à tortura”, Eduardo acha que “dá pra prender mais gente”.

Ao longo da entrevista, há poucos elementos que não sofram essa transformação de linguagem. Quando não reinterpreta, Eduardo reproduz letra por letra o que pensa o presidente-eleito. Sob a luz da psicologia, poderíamos teorizar que Eduardo tenta devorar seu pai – primeiro por reproduzí-lo em sua falta de humanidade, depois por levar suas ideias à escala industrial. Eduardo não quer apenas prender os bandidos, ele quer construir novos presídios para impedí-los de sair.

O Projeto Escola Sem Partido é um ponto que ilustra bem essa industrialização do obscurantismo: enquanto Bolsonaro quer revelar “A Verdade Sufocada” sobre a ditadura e impedir o “Kit Gay”, Eduardo tenta impor sobre os professores uma mordaça para “expor todas as versões históricas” e “impedir a doutrinação” sob pena de cadeia. É o mesmo projeto com palavras mais articuladas e, portanto, mais perigosas, que descartam o compromisso com a verdade e o rigor científico.

Esse aprimoramento neo-fascista é algo que merece atenção da resistência progressista. As intenções de Eduardo Bolsonaro soam mais alto que buzina de navio: em algum ponto futuro, ele se imagina como presidente do Brasil, levando adiante o projeto de aniquilação do pai. Arrogante, sem dúvida, mas possível. Diante da mentalidade neanderthal que conduz a nossa direita, até mesmo provável.

Temos a experiência internacional para nos dar uma luz. A França já assistiu a esse desenrolar e sobreviveu, evitando que a ultra-direitista Frente Nacional seduzisse a população com palavras mais doces em 2016. Naquele momento, Marine Le Pen tentava se eleger presidente, poucos meses depois de expulsar o próprio pai, Jean-Marie Le Pen, de seu partido de fundação.

Nada impede que o mesmo aconteça por aqui, se Jair Bolsonaro não conseguir entregar crescimento econômico. Por qualquer perspectiva, o PSL é hoje um balaio de abutres, banqueteando-se na carniça de Brasília enquanto é farta, e Eduardo é o líder de sua bancada. Quando acabarem os cadáveres, restará a essas figuras apenas o sentimento de justiçamento para continuarem seu voo.

Se Eduardo se portar como nessa entrevista, entregará ao pai um longo punhal de presente.