Educação especial e a escola pública acolhedora. Por Aloizio Mercadante

Atualizado em 29 de outubro de 2020 às 10:15
Alunos em sala de aula antes da pandemia

Por Aloizio Mercadante

O acolhimento, o desenvolvimento das potencialidades e o respeito integral à diversidade e ao diferente fazem parte dos fundamentos que devem nortear as políticas públicas de uma democracia. Não são apenas direitos assegurados a todo e a qualquer cidadão na letra fria da Lei, são compromissos que o Estado deve assumir para a construção de uma sociedade mais justa, mais generosa e menos desigual.

Por isso, é inaceitável que o governo Bolsonaro tenha instituído uma chamada “nova” Política Nacional de Educação Especial (PNEE), que afronta todos esses conceitos e que representa um enorme retrocesso no processo de inclusão das pessoas com deficiência. Ao incentivar a criação de turmas e escolas especializadas, que atendem apenas estudantes com deficiência, Bolsonaro desrespeita compromissos já assumidos pelo Estado brasileiro de assegurar o direito à educação das pessoas com deficiência, sem discriminação, e com base na igualdade de oportunidades, em um sistema educacional inclusivo em todos os níveis.

Partindo de uma visão estratégica e generosa e de um projeto de Brasil para todos e para todas, o governo Lula lançou, em 2008, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPE). Construída com base na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização da Nações Unidas de 2006, a PNEEPE retirou o Brasil de um atraso de 30 anos ao priorizar a eliminação de barreiras físicas e pedagógicas para assegurar o acesso de todos e de todas ao ensino regular, sendo a educação especial uma modalidade complementar ao processo de ensino.

A implementação da PNEEPE foi abraçada por de gestores educacionais de todo país e contou com uma série de ações complementares que envolveram a formação dos professores, a disponibilização de equipamentos e recursos de tecnologia assistiva, materiais pedagógicos e mobiliário especializado para as escolas regulares, entre outros. Os avanços são incontestáveis e atingiram, entre 2003 e 2015, 42 mil escolas em 93% dos municípios brasileiros.

Ademais, a PNEEEPE foi acompanhada de uma política de financiamento educacional que garantiu o investimento em acessibilidade. No Fundeb, por exemplo, foi criada a chamada dupla matrícula, que permite contabilizar as matrículas dos estudantes da educação especial nas classes comuns da rede pública de ensino e a matrícula concomitante no atendimento educacional especializado.

Mais de 98,5 mil professores receberam formação em cursos de especialização e aperfeiçoamento, o apoio aos projetos de acessibilidade arquitetônica atingiu 57, 5mil escolas públicas e foram adquiridos e entregues 2,7 mil veículos para o transporte escolar acessível, em 1.437 municípios. Além disso, 7.940 profissionais foram certificados em Libras e foram criados cursos de graduação Letras (Língua Brasileira de Sinais/Libras), em 30 universidades federais, com 2.250 vagas anuais para professores e tradutores e intérpretes.

O Projeto Livro Acessível promoveu a produção e a disponibilização de livros em braille e nos formatos digitais acessíveis, de dicionários trilíngues (Libras, Português e Inglês), de laptop e de recursos e aplicativos de acessibilidade aos estudantes, sem falar no apoio à implantação de núcleos e acessibilidade nas áreas de deficiência visual, deficiência auditiva e altas habilidades/superdotação, nas 27 Unidades Federadas. O Enem também se tornou o caminho de oportunidades para as pessoas deficientes, assegurando recursos especializados para que essas pessoas realizem as provas em condições adequadas.

Merece registro ainda o programa Viver Sem Limites, que envolveu diversos ministérios para promover a inclusão, autonomia e direitos das pessoas com deficiência. O resultado desses avanços foi comprovado no Censo Escolar, segundo o qual, na educação básica, as matrícula das pessoas deficientes passaram de 504 mil em 2003 para 971 mil em 2016, alterando o percentual de inclusão em classes comuns de um índice de 24% para 85%. Na educação superior, o crescimento foi de 5.078 matrículas para 33.475, no mesmo período.

Não foram só os governos populares e democráticos de Lula e Dilma que comprovaram que é possível pensar e realizar um processo educacional inclusivo. A história está repleta de exemplos de pessoas deficientes que desenvolveram suas potencialidades, com contribuições extraordinárias para a humanidade, como Franklin Roosevelt, que foi o presidente mais bem avaliado da história dos EUA, ou Stevie Wonder, que é cego, e Beethoven, que dizem que era quase surdo.

Por isso, é fundamental valorizar e respeitar as diferenças, mais ainda no ambiente escolar. E falamos, aqui, de uma via de mão dupla, pois as crianças deficientes precisam saber e têm o direito de se relacionar com todos e com todas, mas as demais crianças também precisam experenciar a riqueza do convívio das diferenças e na diversidade.

É nesse projeto de país plural, democrático, acolhedor, tolerante e que combate às desigualdades em que acreditamos. E é esse país, o Brasil profundo que já viveu as experiências dos nossos governos, que vai reagir a tantos retrocessos e que voltará a ser feliz de novo.

Aloizio Mercadante é economista, professor universitário, ex-deputado, ex-senador, ex-ministro e presidente da Fundação Perseu Abramo