“Efeito espectador”: por que Beto Freitas foi massacrado no Carrefour sem que ninguém fizesse nada

Atualizado em 22 de novembro de 2020 às 8:44
Funcionários do Carrefour espancam João Alberto até a morte

João Alberto Silveira Freitas, o homem negro assassinado por seguranças no Carrefour, foi asfixiado por quase 4 minutos diante de testemunhas, após ser espancado por pelo menos 2 minutos.

“Durante as agressões, diversas pessoas passaram pelo local e não intervieram. Quando Beto Freitas se mexe pela última vez, há em volta dele pelo menos 17 pessoas no local, sendo 15 testemunhas e os dois seguranças que sufocaram Freitas. É possível que haja mais testemunhas fora do alcance da câmera”, diz a Folha.

Por que nenhum dos circunstantes esboçou qualquer reação diante do massacre?

Os assassinos agiram livremente, como se estivessem numa madrugada num terreno baldio deserto.

A intimidação da fiscal Adriana Alves Dutra, que aparece filmando a pancadaria, não explica a omissão.

Por que Beto Freitas morreu sem que ninguém levantasse a voz? Você faria diferente?

Em 1964, o homicídio de Kitty Genovese, de 28 anos, em Nova York, suscitou um debate que duraria décadas.

A matéria do New York Times relatava o seguinte:

“Por mais de meia hora, no Queens, 38 cidadãos respeitáveis e cumpridores da lei testemunharam um assassino perseguir e esfaquear uma mulher em três ataques separados, em Kew Gardens. Por duas vezes, o som de suas vozes e o acender repentino das luzes de seus quartos o interromperam e afugentaram.

A cada vez, ele retornava, procurava-a e a esfaqueava novamente. Nem uma pessoa sequer telefonou à polícia durante o ataque; uma testemunha ligou para a polícia depois que a mulher estava morta. (…) Kitty morreu sozinha em uma escadaria, onde não mais conseguiu escapar de seu assassino enlouquecido”.

A história suscitou infindáveis especulações.

Um estudo de 1968, que se tornaria clássico, ficou conhecido por revelar o “Efeito Espectador” (“Bystander Effect”).

Os psicólogos John Darley e Bibb Latané mostraram que, à medida que aumenta o número de pessoas presentes em uma situação de emergência, é menos provável que um único indivíduo ajude alguém em necessidade.

O efeito espectador foi aplicado, depois, em pesquisas sobre cyberbullying.

Em 2007, um professor de Stanford chamado Philip Zimbardo abordou a tragédia de Kitty, entre outras, num livro chamado ‘The Lucifer Effect: Understanding How Good People Turn Evil”.

Para ele, o autoconhecimento humano está restrito às situações cotidianas, aquelas em que acreditamos ter o domínio e às quais estamos habilitados a resolver.

Para situações novas, não dispomos de ferramentas. “O seu eu antigo pode não funcionar como esperado quando as regras básicas se modificam”, escreve.

João Alberto foi trucidado pelos brutamontes que, flagrados pelas câmeras, pagarão pelo crime na Justiça.

Mas quem assistiu não é inocente.