Eichmann, Witzel e a banalidade do mal no Rio de Janeiro. Por Tiago Zapater

Atualizado em 5 de outubro de 2019 às 13:28
O governador do RJ, Wilson Witzel (PSC)

Publicado originalmente no Justificando

POR TIAGO ZAPATER, professor de Direito da PUC-SP

Otto Aldof Eichmann e o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, têm mais em comum do que a origem alemã. Ambos fizeram carreira militar e compuseram a burocracia do funcionalismo público, embora apenas Witzel tenha exercido um cargo eletivo. 

Eichmann era casado, pai de quatro filhos, tocava violino e praticava esportes. Religioso (protestante calvinista) e patriota, chegou a tenente-coronel, tendo sido agraciado com a cruz de ferro e com a cruz de mérito da guerra. Suas últimas palavras foram vivas à pátria (Alemanha, Áustria e Argentina) e a Deus (“morro a acreditar em Deus“).

Aluno medíocre, Eichmann não terminou os estudos e foi trabalhar na empresa mineradora de seu pai por alguns meses e, mais tarde, em uma empresa petrolífera em Salzburg. Filiado ao partido nazista desde 1932, quando perdeu o emprego em 1933, retornou à Alemanha e ingressou na SS, uma milícia ligada ao partido nazista. Com a ascensão do partido ao poder, a SS tornou-se uma grande organização burocrático-militar que passou a controlar as forças policiais do Estado Alemão. Pela SS, Eichmann ascendeu na carreira rapidamente e passou a integrar o gabinete responsável por lidar com a questão judaica. Funcionário leal e eficiente, veio a se tornar responsável por supervisionar os transportes de judeus, primeiro nas campanhas de emigração e deportação forçada, para fora dos territórios do Reich e, depois da Conferência de Wannsee, para os campos de extermínio.

Witzel também é casado e pai de quatro filhos. Nascido em Jundiaí, no interior de São Paulo, formou-se no curso técnico de topografia e, aos 18 anos, ingressou na Escola de Formação de Oficiais da Marinha, onde alcançou o posto de segundo tenente. Formou-se em direito e fez carreira como professor. Contudo, apesar de mestre em processo civil e doutorando em ciência política, sua produção científica é desconhecida ou pouco relevante. Durante dezessete anos foi juiz federal, e pediu exoneração para concorrer ao cargo de governador do Rio de Janeiro, que ganhou. Apesar de católico, Witzel defende e vem implementando no Rio de Janeiro uma política de autorização para o abate de criminosos por policiais. Não apenas em situação de confronto, mas pessoas portando fuzil ou em situação suspeita, de modo geral, poderiam ser abatidas. São palavras suas: “a polícia vai mirar na cabecinha e… fogo“.

Eichmann nunca foi um político, mas também não era apenas um burocrata organizando os horários dos trens. Ele tinha consciência do que ocorria nos campos de extermínio, tendo inclusive chegado a testemunhar uma execução em massa de judeus em Minsk. Correspondência e documentos levantados por ocasião do seu julgamento mostram que a preocupação principal de Eichmann era efetuar o transporte dos judeus da maneira mais econômica possível, minimizando impacto sobre operações militares.

Witzel, por sua vez, não é apenas um idealizador das políticas de abate, ele acompanha pessoalmente operações e tem ciência dos assassinatos. Mais do que isso, aplaude e incentiva o abate pela polícia buscando, já desde a campanha, utilizar mortes de criminosos para a promoção de seu projeto político.

Quando foi julgado pelos seus crimes, Eichmann insistiu em que apenas cumpria ordens e chegou a escrever, no seu recurso de apelação, que não se sentia responsável nem culpado pelas mortes, já que as decisões tinham vindo de seus superiores. Já Witzel, quando acusado pela imprensa de que sua política de abate causa mortes de inocentes (além de outras coisas, como fazer vista grossa para milicianos e áreas dominadas pelas milícias), defendeu-se acusando os críticos de quererem fazer palanque político sobre caixões.