Eike, a nordestina e a apresentação que deu errado em Nova York

Atualizado em 30 de janeiro de 2017 às 8:13
Cabral e Eike
Cabral e Eike

Publicado no JC Online.

POR PATRICIA CALAZANS

 

Eike Batista poderia ter sido um dos maiores constragimentos da minha carreira, mas como diz o ditado, ‘o melhor remédio para um doido é outro na porta’. E o doido na porta fui eu. Pelo menos naquele dia.

A minha agência tinha trabalhado para então gerente de comunicação corporativa do grupo EBX. Como eu já morava nos Estados Unidos e ela não podia sair do Rio, fui convocada para organizar uma coletiva em Nova Iorque, no Plaza Hotel, para um evento chamado Invest in Rio, iniciativa do governo do Estado, patrocinado pelo EBX.

A negociação dos meus honorários de 5 mil dólares foi duríssima. O valor tinha que incluir a minha passagem de São Francisco para Nova York, além da minha hospedagem e locomoção dentro da cidade. Topei porque era um desafio interessante, tinha milhas com a United, consegui arranjar um hotel com preço bacana e porque, sobretudo, tinha uma pilha de contas para pagar em reais e em dólares e dois filhos adolescentes para criar.

Aproveitei a primeira noite para jantar com meu amigo Fabio Alves. Estava tranquila com o trabalho do dia seguinte. O Brasil era a bola da vez no noticiário internacional, Eike tinha acabado de sair na Forbes como o quinto homem mais rico do mundo, o Rio tinha sido escolhido para sediar as olimpíadas. Os jornalistas estavam interessados em conhecer Eike Batista e Sérgio Cabral.

Na madrugada do dia da chegada de Mr. X e sua entourage, (de PJ, private-jet como Eike mais tarde frisaria durante a coletiva) recebi uma ligação do escritório do Rio com uma enxurrada de demandas que fugiam ao escopo do original do meu trabalho: redigir mensagens em inglês sobre a EBX e o evento para aqueles letreiros da Broadway, traduzir releases para o ingles, editar a apresentação de Mr. X. Tudo de última hora mas exequível, complicado era dar conta de uma tabela em Excel com os nomes e contatos de 42 grandes nomes do mercado financeiro (banqueiros, investidores, private equity) para uma conversa privada com Eike.

Detalhe: eu tinha que fazer o convite para o mesmo dia. E pior: convidar e confirmar os tais 42 nomes para uma conversa “privada” que deveria acontecer depois da tal palestra, por volta das 4 da tarde e antes das 6 da noite, quando Eike queria voltar para o Rio.

A Patricia Calazans daquela época era uma pessoa completamente diferente de quem sou hoje. Ainda mais a Patrícia daquele ano, cuja missão diária era fazer o impossível, em casa e no trabalho, mesmo que isso me custasse a saúde.

Lembro que sentei num dos cafés do Plaza e comecei a fazer as ligações. Fiz tudo a seco, sem café, água com gás nem e-mail para as assistentes executivas.

Inventei que Eike tinha decidido vir para Nova York de última hora, que tinha um assunto específico para conversar com Mr. Fulano e aquele encontro seria importantíssimo. Repeti a lorota para os 42 nomes, talvez tenha confirmado 60% da lista, sei que consegui um número significativo.

Fiz as contas: Eike Batista teria em média 16 minutos para ter a conversa tete-a-tete e levantar bilhões de dólares para o Brasil. Sim, porque o papo dele era sobre o compromisso pessoal de ajudar o governo Lula a transformar o Brasil numa super potência. Sabe aquela crise que arrasou os Estados Unidos e que no Brasil tinha sido somente uma marola? Pois é, por ali.

Quando Mr. X chegou no Plaza e eu fui me apresentar, toda orgulhosa por ter tirado vários coelhos de dentro de uma cartola, o único feedback que tive dele foi: “não sabia que você era nordestina … ” quase como “não sabia que tinham contratado alguém com problemas de audição e fala”. Roberto D’Avila tentou contornar mas Eike Batista fechou a cara e a partir daquele momento deixou claro que eu era um ser inferior simplesmente por falar português com sotaque pernambucano.

A entrevista coletiva foi um sucesso, tudo pronto para a palestra, Wall Street a caminho de Midtown. Fala Sérgio Cabral sobre o Rio, chega a vez de Eike falar sobre a solidez do Grupo EBX. Alguém da área de eventos do Plaza (talvez por isso o hotel tenha fechado) pulou os três primeiros slides da apresentação do ex-marido de Luma. O cara teve um chilique na frente da plateia, desses de baixar o nível mesmo. A energia ali ficou tão pesada que a apresentação sumiu do notebook e Eike foi incapaz de improvisar e falar sem o tal power point.

Como não existe limite para criança mimada, Eike Batista decidiu cancelar as reuniões com os investidores e voltar para o Brasil. Assim, pronto, desse jeito.

Eu já morava nos Estados Unidos há mais de uma década, tinha passado por Stanford, já tinha prestado serviços para várias empresas de tech. Tinha auto-confiança mas acho que ainda era muito crente nas pessoas. Acreditei que ponderando, como já tinha feito com grandes nomes, ele mudaria de ideia. Quem estava ali não era a galera das escolas de samba do Rio de Janeiro, era gente do mercado financeiro internacional que tinha alterado agenda de última hora.

Não adiantou. Ele ignorou todos os apelos, inclusive do resto da comitiva. Disse a ele, Eike, que aquele era o comportamento de um amador, que aquilo somente confirmava a minha desconfiança que ele não passava de uma fraude. Que ele não tinha respeito por ninguém e que um empreendedor de verdade não se portava daquela forma. Ele me olhava com cara de quem tinha abusado do remédio tarja presta ou talvez pior: cara de quem estava sem remédio controlado.

Comuniquei que Mr. Batista tinha passado mal e que tinha precisado voltar com urgência para o Brasil para se consultar com seu médico privado. Alguém perguntou que tipo de problema de saúde tinha acontecido. Respondi que desconhecia o problema, pedi desculpas, troquei cartões.

Na saída tive a ideia de dar a mim mesma uma recompensa pelos ótimos serviços prestadia. Atravessei a rua, comprei um vestido na Bergdorf: não seria justo que os recursos de todo aquele estresse fosse usado somente para pagar contas. Segui para La Guardia tranquila, estado emocional neutro por completo. Parecia que tinha tomado um Rivotril ou acabado uma aula de Bikram ioga.  Lembro que tomei sorvete no avião e tive a sensação boa de ter dito umas verdades para aquele imbecil que tinha virado o bambambam do reinado de Lula. Em casa, comentei com a meus filhos Amanda Calazans Simões e Daniel que o castelo de areia que estava sendo construído no Brasil ia cair mais cedo ou mais tarde.

Dias depois me pediram um relatório e uma nota fiscal. Mandei e nunca mais ouvi falar deles. Nunca me procuraram para trabalhar. Como fiz o meu trabalho muito bem feito, ficou a dúvida até hoje se o que pesou mais foi o desaforo ou a petulância do sotaque.