“Ele acabou com minha vida”: a longa noite em que socorri uma mulher surrada pelo namorado. Por Pedro Pligher

Atualizado em 29 de janeiro de 2020 às 16:35
Bianca Muniz e o namorado Anderson Tiago de Jesus

A noite de sábado era para ter sido como outra qualquer na tranquila cidade de Jundiaí. Encontrar os amigos, dar um rolê, jogar conversa fora, tomar uns bons drinks etc.

Por volta das 3h da manhã, estava com um amigo no carro a caminho de sua casa, quando resolvi estender e dar mais uma volta, explorar a cidade, despretensiosamente.

O acaso mudaria tudo.

Seguimos em direção a um ponto, conhecido como ‘Rancho’, aonde restava algum movimento. Um pouco afastada, a casa de eventos, envolta por uma área com muito mato, abrigava um show aparentemente sertanejo que não nos atraiu.

Desci pela rua, dobrei a esquina e fiz um retorno. Quando subia, notei algo estranho. Reduzi a velocidade. Um casal discutia no meio daquele mato, num lugar escuro, perto de uns carros.

Casais discutem, mas algo parecia estar propositalmente oculto. Vi então um sujeito, com uma bolsa de mulher na mão, arremessando-a no matagal. Reduzi mais, abaixei o vidro.

Foi quando ele saiu andando na direção oposta do carro e ouvi um grito de ‘Socorro!’ da mulher ali presente, Bianca Muniz, de 25 anos.

Seguiram mais pedidos, enquanto eu me aproximava. Ela veio cambaleando e ao pisar na rua vi que havia perdido um sapato. “Socorro, meu namorado me bateu, me ajude por favor!”.

Em pânico, ela encostou ao meu lado, com a face escondida pelo sangue que escorria de seu rosto. Seu olho esquerdo parecia não estar mais lá.

Mandei ela entrar no carro imediatamente, o que pelo seu estado de choque ela não entendeu. “Entra no carro agora”, pela segunda vez. Ao entrar, ela chorava, desesperadamente.

A porta do carro ficou marcada com o sangue de Bianca.

Segui e olhei no espelho – o agressor Anderson Tiago de Jesus, de 34 anos, andava em direção a um carro, lá embaixo.

É ainda indigesto pensar que ele escapou da cena, mas ali a única escolha possível era socorrer Bianca, que estava numa situação aparentemente muito grave.

Em direção ao hospital, ela pedia por amparo e segurança: “Por favor, moço, não me abandona, por favor, você promete que não vai me abandonar?”

O medo transbordava dela de uma forma muito intensa. Ouvir aquilo me gerou um mistura de raiva e tristeza. Eu tinha que chegar o rápido ao centro da cidade.

Eu e meu amigo Matheus Martinelli seguimos então tentando acalmá-la, enquanto corríamos para o hospital. Preocupada com seu estado de saúde, ela dizia: “Pelo amor de Deus. Eu tenho uma filha”.

Bianca

“Covardia!? Toda hora, moço”

Chegando ao Hospital São Vicente de Paulo, os médicos a acudiram. Perguntaram o que havia ocorrido. Preocupada, Bianca me perguntava sobre seu rosto. Optei por mentir, com a convicção que era necessária.

Seriam apuradas posteriormente fraturas em seu nariz e face, além de diversas lesões em seu rosto e no olho esquerdo.

Entramos na sala de emergência. Bianca me pediu ainda para ficar ali, mas uma médica me proibiu. Prometi então que aguardaria do lado de fora, e ali fiquei. A médica me perguntou então se eu a conhecia, o que respondi que não.

“Ela está sem os documentos, também?”, indagou. Expliquei que o agressor havia levado tudo. Então ela colou em meu peito um adesivo de acompanhante e pediu para que eu fosse até a recepção, para que eu abrisse a ficha dela.

Nos trâmites da recepção, perguntei à funcionária do hospital se aquilo ocorria sempre. “O quê? Covardia!? Toda hora, moço”, me disse a recepcionista, com uma expressão de indignação acostumada. “E sabe qual é o problema? É que a maioria não continua o processo, não presta queixa”.

Após ouvir isso, tive a certeza de que deveria ficar no hospital, para tentar garantir que Bianca fizesse o necessário. Abri ali a hipótese de que talvez ela não quisesse fazer, de que ela poderia ter medo, de que iria ficar na dúvida. Mas errei. Ela se provaria muito corajosa.

Dei então meu testemunho a dois PMs, que o hospital notificou assim que Bianca ingressou na emergência. Matheus já havia ido embora. “Você que é a testemunha?”, começou o policial, que me olhava atentamente.

Percebi na apuração deles a atenção aos detalhes – afinal de contas eu havia trazido uma mulher espancada, no meu carro. Mas senti que após as primeiras perguntas, eles acreditaram na minha versão. Foi também satisfatório ouvir que eles já tinham provas suficientes para ir atrás do suspeito e prendê-lo, independentemente do meu relato.

Anderson e Bianca, no dia da agressão.

Aguardei então até poder falar com Bianca – e acabei entrando com os PMs que haviam me abordado. Bianca já estava muito mais calma, e com o rosto limpo. Ela iria responder as perguntas do policial, em voz baixa, no tom que conseguia falar:

“Há quanto tempo vocês estão juntos?”

“Dois meses”.

“Ele já havia apresentado algum comportamento agressivo antes?”

“Teve uma ocasião, na quinta-feira, em que ele se mostrou bem agressivo, eu saí sozinha do local. Depois na sexta, ele veio me pedir perdão. Aí combinamos de sair no sábado”.

“O que aconteceu lá?”

“Ele estava muito bêbado, e tentou subir no palco. Eu tentei impedir e ele me deu um soco na barriga. Me assustei e saí, para ligar para um Uber que eu conheço”.

Bianca relatou que Anderson a seguiu, irritado, tomando seu telefone e a sua bolsa. Depois ele a empurrou, e passou a enforcá-la no chão, até Bianca quase perder a consciência. Ao perceber isso, Anderson passou a agredi-la com socos e chutes em seu rosto.

Foi então que ela conseguiu se desvencilhar e levantar, e foi nessa hora que eu e Matheus passávamos com o carro.

O boletim de ocorrência da Polícia Civil sobre o caso

Uma ordem de prisão foi expedida para Anderson Tiago de Jesus, que até o momento segue foragido. No dia do crime, Anderson levou a bolsa de Bianca e seu celular para casa, o que depois seus próprios pais trouxeram para ela na delegacia, aonde relataram que ele havia pego uma mochila e saído.

Bianca recebeu ligação e apoio dos familiares de Anderson, que desconhecem seu paradeiro.

O agressor

Bianca conheceu seu namorado num shopping da cidade onde trabalha. Recém-divorciado, Anderson havia dito a ela que não a apresentaria a família ainda, pois a separação era muito recente.

Dizia ele que o casamento não havia dado certo. Mas ela logo saberia o motivo.

Na tarde de domingo, Bianca finalmente veio a conhecer a mãe de Anderson, que trouxera seus pertences. E assim, ela relatou que havia dito para Anderson, que só iria conhecer sua nova namorada se ele mudasse – pois ele era muito agressivo, e teria batido em sua ex-mulher, enquanto grávida.

Quando lhe perguntei o que era a coisa mais difícil para ela no momento, ela começou a chorar…. “É me olhar no espelho… ele acabou com a minha vida”.

Hoje, Bianca só espera justiça: “Eu espero que ele pague por isso. Da forma correta. Por todas as mulheres que ele espancou. Porque eu não fui a primeira, mas espero ter sido a última.”

Atualização

O delegado que atendeu Bianca não pediu a prisão preventiva de Anderson, apenas a forneceu uma medida protetiva. Ele não está foragido. O caso até então segue enquadrado como ‘violência doméstica’.