“Ele que nos aguarde em Dallas”, diz ao DCM fundadora de um dos grupos que barraram Bolsonaro em Nova York

Atualizado em 12 de maio de 2019 às 19:12
Manifestação contra a presença de Bolsonaro em NY (Foto: Coalisão #CancelBolsonaro/ George Day e Gira Lister)

A presença de Jair Bolsonaro em Nova York foi barrada graças à articulação de um grupo de mulheres brasileiras que luta contra o fascismo no exterior.

Luciana Kornalewski, fundadora do “Mulheres da Resistência no Exterior”, falou com exclusividade ao DCM sobre o movimento que impediu – e ainda tenta impedir – que o presidente brasileiro de extrema direita seja homenageado nos Estados Unidos.

A homenagem foi remarcada a semana que vem em Dallas, no Texas. “Ele que nos aguarde”, diz Luciana.

DCM: Como começou o coletivo? Quem são as fundadoras?

Luciana Kornalewski: Eu e a minha amiga Ana Claudia Dias fundamos o grupo em setembro de 2018, motivadas pelo e o movimento #EleNao e pelo grupo “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro”, que conectou mais de 3 milhões de mulheres contra Bolsonaro. Eu e Ana moramos em Nova York há muito tempo e sempre sentimos falta de um grupo feminista. Ate que, no ano passado, criamos um grupo de brasileiras feministas chamado Sisters de Nova York.

O nosso intuito era organizar reuniões presenciais mensais para estudar o feminismo e ampliar a nossa rede de apoio. Mas, poucos meses apos a criação do grupo, como um furacão, surgiu o movimento #EleNao no Brasil. Na mesma semana, algumas ‘membras’ do nosso grupo feminista nos sugeriu que criássemos um grupo de resistência a Bolsonaro em NY. Resolvemos ampliar essa resistência e criamos o Mulheres no Exterior contra Bolsonaro, que após os resultados das eleições, mudou para Mulheres da Resistência no Exterior. Conseguimos atrair para o grupo brasileiras feministas e de esquerda que moram no exterior. O sentimento mutuo era de pertencimento.

As brasileiras, muito preocupadas e revoltadas com a chance do racista, machista, misógino e homofóbico candidato Bolsonaro chegar presidência havia encontrado um grupo no qual podiam se conectar, tanto presencialmente, quanto online. Além de oferecer um forte apoio emocional, propiciou a troca de informação e debate politico, articulação e divulgação de atos nas cidades. As mulheres iam se motivando com toda essa mobilização, uma estimulando a outra e o que vimos foi o mesmo que aconteceu no Brasil: Mulheres que nunca haviam se envolvido com politica, com feminismo antes se educaram, se fortaleceram e saíram as ruas. Houve protestos em cerca de 90 cidades em 30 países.    

A nossa articulação segue crescendo e nosso foco tem sido a luta contra a ascensão da extrema direita e do fascismo, que impacta as questões feministas e de todas as minorias e setores desprivilegiados. O nosso grupo promove debates, palestras, workshops, atividades culturais, protestos, manifestações artísticas e outros eventos que ampliem possibilidades, idéias, ações e nos ajudem a formar e cultivar elos de apoio para que nossas vozes sejam ouvidas e para que se ampliem os esforços pelas causas democráticas no Brasil e no exterior. 

Como moramos em Nova York, eu e Ana criamos o “Mulheres da Resistência em Nova York”. Esse núcleo em Nova York é bastante ativo. Participamos de protestos, promovemos encontros, como um cafezinho mensal, workshops e eventos. No momento, estamos organizando o “Mulheres na Escrita: Feira do livro da lingua portuguesa”, que será realizada dia 15 de junho e contará com as presenças de Manuela D’Ávila, Conceição Evaristo, Marcia Tiburi, dentre outras escritoras brasileiras que residem em Nova York.

Quais são as pautas defendidas por vocês?

Nossa missão é constantemente formar e cultivar elos de apoio para que nossas vozes sejam ouvidas. Buscamos contribuir com a desconstrução de discursos que não nos representam e que servem como ferramentas de opressão e como meios de perpetuação da discriminação, do preconceito e da intolerância que causam dor e morte. 

Nos baseamos em princípios éticos que assegurem uma sociedade igualitária, livre de qualquer tipo de preconceito, discriminação, autoritarismo e violência. Acreditamos que toda interação e colaboração – no âmbito físico ou virtual – deve ser feita com respeito mútuo, apreço pela individualidade e tolerância. Para lutarmos por um mundo melhor para as mulheres e para todos, é imprescindível que se exercite a compreensão e o diálogo. Prezamos a convivência pacífica e solidária, em que cada uma de nós possa se sentir livre, segura e respeitada.

Exigir justiça e enaltecer a memória e a luta de Marielle Franco serão sempre umas das prioridades do nosso movimento. Até mesmo mesmo para garantir a segurança de outras Marielles.   

Você acredita que as mulheres estejam mais engajadas na oposição a Bolsonaro do que os homens? Por quê?

Sim, certamente. O movimento feminista nunca esteve tão forte no mundo. Vemos as mulheres na Argentina tomando as ruas pelo direito ao aborto e pelo combate ao feminicídio, com o movimento “Ni una a Menos”. Nos Estados Unidos, além de movimentos como o #Metoo (contra a cultura do estupro), a greve dos professores em Los Angeles também foi liderada por mulheres e a maior marcha da história dos Estados Unidos foi a Marcha das Mulheres contra Trump em 2017, que assim como Bolsonaro, ganhou as eleições com um discurso machista, misógino e racista.

Na Índia, um cordão de mulheres de 600 km de extensão, a desigualdade de gênero no país e exigia ter os mesmos direitos religiosos que os homens, chamou a atenção da imprensa internacional e recebeu solidariedade de mulheres de vários países. Na Espanha, em 2018, milhões de mulheres aderiram à greve geral fizeram da greve a maior manifestação feminista no mundo pelo dia 8 de Março. Na França, vemos mulheres na linha de frente das batalhas dos coletes amarelos.  

No Brasil, não esta sendo diferente. A primavera feminista começou em 2013, com o movimento #ForaCunha, quando milhares de mulheres organizaram atos em varias cidades do país contra a PL 5069/2013, que dificultaria o atendimento as vítimas de estupro, e as demandas se estenderam, contra o racismo, à violência policial, às injustiças e formas de opressão do sistema patriarcal. A atuação das meninas na ocupação das escolas foi surpreendente.    

No ano passado, durante o processo eleitoral, com a ascensão de Bolsonaro nas pesquisas, mesmo se utilizando de um discurso abertamente machista,  misógino, racista e homofóbico, e declarando mudanças nas estruturas econômicas e sociais, como a diminuição dos direitos previdenciários e trabalhistas, ataque aos direitos reprodutivos, e a oposição ao debate sobre gênero nas escolas, gerou uma grande revolta entre as mulheres, que seriam as mais prejudicadas na sociedade, retrocedendo direitos adquiridos com muita luta e perpetuando a desigualdade de gênero e racial.

O discurso ultra conservador de Bolsonaro, declarando a missão de “salvar o Brasil da corrupção em nome da família, de Deus e da propriedade”, tendo total apoio dos poderosos da bancada da Bíblia, gerou um forte ataque ao movimento feminista, negro, LGBT e suas demandas.

Como declarou abertamente em sua campanha que seu alvo principal será o pobre da periferia, as mulheres negras serão as mais afetadas, como sempre foram. Com o aumento do genocídio da população negra, são elas que esperarão angustiadas pela volta do filho à casa, que mais serão impactadas com a reforma trabalhista, com o sucateamento da educação e fechamento de creches públicas, já que a maioria é responsável pelo cuidado com o filho, e muito exploradas no trabalho, ainda recebem em media 60% menos que um homem branco. Essas mulheres se tornaram linha de frente na resistência e Marielles brotaram aos montes na luta contra os retrocessos desse governo.

Lutar contra Bolsonaro e a ascensão da extrema direita no mundo é obrigação de todas nós. A nossa luta pelos direitos democráticos, justiça social e igualdade de gênero é internacional. Precisamos estar unidas e organizadas e impedir que nos calem, que nos separem, que sigam nos oprimindo e nos violentando. Já provamos que juntas, somo muito fortes, somos uma revolução. Precisamos recrutar mais mulheres pra militância. O movimento #EleNao conseguiu incitar uma consciência politica em muitas mulheres e, muitas delas, nunca havia se envolvido com militância anteriormente… hoje, se sentem mais fortes e saem as ruas com orgulho, com a missão de assegurar direitos conseguidos à duras penas e garantindo uma sociedade mais igualitária para as próximas gerações.

Diante de tanto retrocesso em todas as áreas desse governo, não é difícil entender o por que de tantas mulheres terem despertado e tomado a linha de frente nas batalhas. Somos nós as mais prejudicadas, seja pela injusta reforma da previdência (ja que sofremos com a dupla jornada de trabalho), seja com a liberação do porte de armas, já muito mais mulheres serão assassinadas (o número de feminicidio já aumentou consideravelmente com a vitória de Bolsonaro).

Luciana Kornalewski

O coletivo possui conexão com movimentos aqui do Brasil?

Sim, achamos essa conexão muito necessária, até mesmo para fortalecer a nossa luta. Muitos haters rebatem o nosso movimento no exterior como algo desligado do que acontece no Brasil; dizendo que, como moramos fora, não temos o direito de opinar, muito menos de ser resistência.

Temos relação próxima e, tentamos estar alinhadas com a Ludimilla Teixeira, a fundadora do “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro”, que hoje é o “Mulheres Unidas com o Brasil”. O nosso grupo é muito menor do que o que ela administra, mas não menos importante.  

Também mantemos diálogo com outros grupos feministas, pretendemos ampliar a nossa conexão com o movimento feminista no Brasil e estabelecer um diálogo com políticos e ativistas, para que possamos discutir ideias e nos alinhar estrategicamente para que nossa contribuição internacional seja o mais eficaz e abrangente possível.  

Agora mesmo para a feira do livro, estamos nos articulando com grupos feministas de mulheres escritoras no Brasil.

Procuramos manter uma pauta alinhada com os movimentos no Brasil e no mundo, já que o nosso grupo é internacional e temos companheiras participantes ativas no movimento feminista nos países em que residem.

Fale um pouco sobre a mobilização para barrar a ida de Bolsonaro a NY.

Assim que os coletivos brasileiros em NY souberam da vinda do Bolsonaro para o evento da Brazilian-American Chamber of Commerce, sediado no Museu de História Natural, começamos a nos articular. Há muito tempo que esperamos por uma chance de escrachar com Bolsonaro e extravasar toda essa revolta que sentimos de acompanhar tanto retrocesso e injustiça acontecendo no Brasil.

O nosso compromisso no exterior, dentro do ativismo, é trazer visibilidade para as pautas do Brasil, ganhar o apoio não apenas da imprensa local, mas educar a população sobre o que está acontecendo e engajar outros grupos ativistas nas nossas ações. Ações essas que incluem protestos de rua em locais estratégicos e onde temos a cobertura da imprensa e podemos informar a população local sobre nossas causas.

Bom, quando já estava confirmada a vinda de Bolsonaro, os coletivos criaram um evento no Facebook (com informações em inglês e português) convocando para um protesto em frente ao museu. Uma instituição renomada de pesquisa cientifica não podia apoiar a premiação a um líder da extrema direita que, além de cortar as verbas para a pesquisa no Brasil, está perseguindo educadores e instituições de ensino e cortando verba da educação. Assim que o evento foi criado, vários outros coletivos ativistas nos contataram em solidariedade ao repúdio a Bolsonaro e propondo uma aliança nas articulações contra o evento.

A coalisão #CancelBolsonaro foi organizada pelo Comitê Defend Democracy in Brazil-NY e contou com o apoio das Mulheres da Resistência no Exterior, do Rise and Resist, Revolting Lesbians, Earth Strike NYC, Extinction Rebellion Amazonia, Rev Billy & Stop Shopping Choir, Alerta NYC, Coletivo Humanas, United Against Racism & Fascism, Metropolitan Anarchist Coordination Council, United Artists & Activists Union, Party for Socialism and Liberation- NY, Reclaim Pride Coalition, e com o apoio do Senador Brad Hoylman de NY.

Juntos, formamos uma petição pública que em dois dias conseguiu 25 mil assinaturas. Escrevemos cartas de repúdio aos patrocinadores do evento e aos membros do museu. Convocamos a todos a inundar as redes sociais do museu com criticas ao evento e á Bolsonaro. Com tanta visibilidade na mídia, a primeira batalha foi ganha e o museu desistiu de sediar o evento.  

Dai, vimos na imprensa que o restaurante Cipriani seria a nova sede. Marcamos um protesto no Wall Street e seguimos em marcha para o restaurante. Várias organizações e meios de comunicação junto com a gente. A pressão nas redes sociais continuava. O grupo privado “Mulheres da Resistencia no Exterior” é muito articulado e trabalhamos em conjunto com coletivos de varias cidades do mundo. É uma rede de solidariedade em vários aspectos.

Dentro as muitas pautas que trabalhamos no grupo, a luta contra a ascensão da extrema direita no mundo, especialmente no Brasil, é uma delas… o grupo se formou com o movimento #EleNao e segue firme contra Bolsonaro. Convocamos nossas mulheres a nos ajudarem a boicotar a vinda Bolsonaro e vieram todas nos dar todo o suporte. Foi maravilhoso ver todas empenhadas em abraçar a causa das manas de NY, que na verdade, era causa de todas também. E é esse o nosso compromisso, quando Bolsonaro ou algum outro membro desse governo nefasto visitar qualquer outra cidade, nos uniremos todas em articulações e campanha online.

Neste momento, sentindo o gostinho da vitória da resistência, seguimos mais fortes e determinados. o Hotel Marriott Times Square aceitou sediar o evento e seguimos com fogo nos olhos para derrubar essa decisão. Somos cerca de 13 grupos trabalhando em conjunto. Nos articulamos em reuniões presenciais e online, orquestramos ações como pressionar não apenas o hotel, como os patrocinadores do evento também. Contatamos a imprensa e lideres politicos e conseguimos a atenção do Senador Brad Hoylman, que se dedicou intensamente em barrar a vinda de Bolsonaro à Cidade. Protestos, na frente do Marriot, ainda estão sendo feitos diariamente para envergonhar o evento, que acontecera dia 14 de maio.         

Dentre muitos aliados no Brasil, tivemos um grande apoio do coletivo 342Artes, que ajudou a dar visibilidade pra nossa causa; mobilizando a imprensa a divulgar as ações e engajando muita gente no Brasil nessa resistência em NY. Enquanto Bolsonaro é repudiado em NY, o coletivo Brado-NY homenageou Lula como “Personalidade do Ano” no dia 9 de maio em um evento no The People’s Forum, que contou com a presença de sua filha Lurian Lula da Silva.

A mobilização foi realizada majoritariamente por mulheres?

É importante ressaltar que, essa militância foi liderada, majoritariamente, por mulheres. O movimento #EleNao conseguiu trazer muitas pra luta e mostrou a força da união entre mulheres, fortalecendo em muito o movimento feminista. Apesar de ter sido um trabalho em conjunto, gostaria de ressaltar o empenho do coletivo Defend Democracy in Brazil. Myriam Marques e Natalia de Campos, em especial, foram muito comprometidas com a causa e orquestraram um plano maravilhoso.

E gostaria de citar o trabalho da companheira Zule Houghton (‘membra’ muito querida do Mulheres da Resistência e colaboradora de outros coletivos brasileiros em NY) e que, alem de comparecer TODOS os dias em frente ao hotel durante essa campanha, está de frente em todas as ações. Zule é uma baiana maravilhosa que nunca havia se envolvido com militância antes e hoje lidera movimentos aqui.

E, no grupo das Mulheres da Resistencia no Facebook, vemos muitas mulheres com o mesmo perfil, de terem se envolvido com a militância após o movimento #EleNao… e que nunca se sentiram tao empoderadas na vida. E precisamos de mais e mais mulheres vindo pra luta, pois ja mostramos q, organizadas, podemos derrubar esse retrocesso pelo qual o mundo esta passando, especialmente o nosso Brasil.

Muito influente na política local, mulher negra, ativista, feminista e bissexual, Chirlane MCcray, esposa do prefeito Bill de Blasio, foi quem comprou a briga e influenciou o prefeito a entrar na campanha contra o evento e à visita de Bolsonaro a Nova York.  

As mulheres também a grande maioria nos protestos, acho que isso também se da pelo forte senso de solidariedade, emparia, de comunidade e bem estar coletivo das mulheres.   

Após tantas derrotas, conseguir cancelar a vinda de Bolsonaro e ver tanta gente se envolvendo nessa campanha, foi muito motivador para todos. Ativistas em várias partes do mundo sentiram um gostinho maravilhoso da vitoria e se sentiu um pouco responsável por isso. E é isso aí. Cada um que se mobilizou de alguma forma, foi responsável.

O mais gratificante foi esse trabalho em conjunto e mostramos que o povo unido tem uma força imensa e que precisamos nos mobilizar de verdade para reduzir os danos desse governo e impedir esse retrocesso em tantas áreas. Estamos todos de parabéns pelo empenho e comprometimento com a militância. Principalmente nós mulheres, que já mostramos uma nova maneira de fazer política; mais humana, mais voltada para o bem comum. Como já dizem: “o futuro é feminino”.  

Bolsonaro acabou de confirmar que irá ao Texas receber o prêmio. Vocês já estão preparando algum ato em Dallas?

Após sofrer forte rejeição em NY, até mesmo pelo prefeito da cidade, seguimos fortes e comprometidos em evitar ou desmoralizar a visita de Bolsonaro aos EUA. A coalisão #CancelBolsonaro de NY está conectada com a militância do Texas e estamos juntos articulando ações locais e online para mostrar ao governo Bolsonaro e ao mundo que #elenao é bem vindo em nenhum país. Esse é o nosso compromisso no exterior. Ele que nos aguarde!  

Algumas fotos das manifestações organizadas pelo coletivo

Foto: Coalisão #CancelBolsonaro/ George Day e Gira Lister
Foto: Coalisão #CancelBolsonaro/ George Day e Gira Lister
Foto: Coalisão #CancelBolsonaro/ George Day e Gira Lister
Foto: Coalisão #CancelBolsonaro/ George Day e Gira Lister
Foto: Coalisão #CancelBolsonaro/ George Day e Gira Lister
Foto: Coalisão #CancelBolsonaro/ George Day e Gira Lister
Foto: Coalisão #CancelBolsonaro/ George Day e Gira Lister