Eleições sob suspeitas; TSE vai prossegui-las? Por Marcelo Auler

Atualizado em 20 de outubro de 2018 às 11:15
TSE

Publicado originalmente no blog do autor

POR MARCELO AULER, repórter

É o momento de a Justiça Eleitoral dizer a que veio nas eleições de 2018. E vai ter que tomar medidas muito mais drásticas, muito mais sofisticadas do que aquelas que vinha tomando em pleitos anteriores. Como já disse antes, a Justiça Eleitoral vai ter que abandonar a carroça e embarcar em uma nave espacial, em prol do esclarecimento dos fatos“.

A previsão acima, feita sexta-feira (19/10) em entrevista a ser publicada na edição de domingo (21/10) no Jornal do Brasil, é do ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp. Hoje com 73 anos, no período em que integrou o STJ (1989-2014) ele foi Corregedor Nacional da Justiça e também teve assento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – 2010/12. Aposentou-se pela antiga “expulsória”, ao completar 70 anos.

Na mesma noite de sexta-feira, porém, o atual corregedor do TSE, ministro Jorge Mussi, deu sinais de que o tribunal continuará, na definição de Dipp, “andando de carroça”.

Ao decidir – 36 horas após a Folha publicar a reportagem de Patrícia Campos Mello e 24 horas após o pedido ajuizado pelo PT – pela abertura de uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), notificou o candidato Jair Bolsonaro a se manifestar em cinco dias. Pode ter respeitado prazos processuais, mas não se deve esquecer que os cinco dias corridos são mais da metade do tempo que nos separa do segundo turno. Certamente se preocupa em evitar questionamentos futuros do cerceamento de defesa. Mas aos leigos isso soa como demora. Andar de carroça, na era da internet.

Primeiro turno sob suspeita – Por sua vez, somente na sexta-feira à noite a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, na função de procuradora-geral eleitoral, solicitou à Polícia Federal a abertura de inquérito criminal para investigar a denúncia publicada na Folha 36 horas antes. Algo que, teoricamente, deveria ter ocorrido tão logo o jornal circulou. Uma decisão que não precisava ser retardada por motivos processuais, como provavelmente a do corregedor. Mais uma vez, o Judiciário Eleitoral, como disse Dipp, continua andando de carroça na época das naves e estações espaciais.

Pelo andar da carroça, o TSE proclamará o resultado das eleições de 2018 debaixo de muitas dúvidas, interrogações e questionamentos. Na realidade, a reportagem de Patrícia Campos de Mello denunciando a prática de, pelo menos, três crimes eleitorais – compra de plataformas digitais de terceiro, o uso de dinheiro de dinheiro de empresas não contabilizado na prestação de contas da campanha e a divulgação de falsas notícias – embora focada na campanha de Bolsonaro, levanta suspeita sobre todo o primeiro turno eleitoral.

Tais ilegalidades, narrou Arnaldo César no artigo aqui publicado sexta-feira – “Fake News”: a tragédia anunciada -, já eram percebidas desde o primeiro turno. Quem admitiu isso foi o diretor do instituto de pesquisa “Datafolha”, Mauro Paulino, através do seu Twitter, no mesmo dia da reportagem da Folha. Estas práticas, na realidade, podem justificar não apenas o resultado de Bolsonaro nas urnas, com uma quantidade de votos bem superior às previsões das pesquisas. Elas explicariam também outros resultados inusitados no pleito do último dia 7. Colocam-no sob suspeita.

Não que estes institutos não errem. Mas dificilmente cometeriam falhas tão gritantes e diversificadas como aconteceu no primeiro turno. Nomes dados como vitoriosos acabaram no limbo. Estão aí exemplos como o do vereador Eduardo Suplicy e da ex-presidente Dilma Rousseff. Apontados como praticamente eleitos ao Senado por São Paulo e Minas Gerais, terminaram em terceira colocação. Derrotados justamente por candidatos ligados a Bolsonaro. Sem falar no surpreendente surgimento do desconhecido juiz Wilson Witzel, do inexpressivo PSC, como vitorioso na disputa ao governo do Rio de Janeiro. Mudanças de votos na última hora ocorreram casualmente? Nem podem ser creditados aos programas eleitorais televisivos, pois tinham pouquíssimo tempo nas TVs

Tudo isso, como lembra Tereza Cruvinel na sua coluna do Jornal do Brasil deste sábado (20/10) – Eu, hein, Rosa… – apenas corrobora a suspeita de que “o primeiro turno foi viciado pela avalanche de fake news, contratada por empresários para favorecer Bolsonaro. E se nada for feito, o crime contra a democracia vai se repetir no dia 28“.

Se a cautela com que o Judiciário deve agir recomenda que ainda não se decida sobre a validade do primeiro turno, embora seja correto o questionamento apresentado pelo PDT, o bom senso e a segurança jurídica deveriam fazer com que os ministro do TSE suspendessem o segundo turno. Ao menos até melhor se informarem do que realmente ocorreu no submundo das telecomunicações via internet, durante a campanha do primeiro turno.

É uma decisão que ainda pode ser tomada ao longo desta semana, vencido o prazo dado à defesa de Bolsonaro. Muito embora Dipp, na citada entrevista, tenha colocado em dúvida que ela ocorrerá. Por “falta de coragem política”.

A suspensão do pleito, inclusive, atenderia à chamada segurança jurídica para que medidas sejam adotadas de forma a não se repetir o uso indevido de redes sociais, através da compra de plataformas patrocinadas ilegalmente por empresas para difusão de mensagens falsas no segundo turno desta eleição. Ou seja, evitar-se-ia a repetição de três possíveis crimes.

Há quem alegue – como a própria defesa do candidato de extrema direita que mais se beneficiou de tais redes, mas não apenas ela -, que ao publicar a denúncia a Folha não apresentou nem provas, nem testemunhas. Porém, a própria iniciativa dos administradores do WhatsApp em notificarem extrajudicialmente agências denunciadas do uso de tais práticas é um indício concreto de que elas realmente ocorreram.

Da mesma forma como a suspensão no aplicativo, mesmo que temporária, da conta do filho do candidato e hoje senador eleito Flávio Bolsonaro demonstra que ele também andou disseminando notícias de forma irregular. Dificilmente terão sido mensagens com receitas de bolo ou alheias à acirrada disputa eleitoral.

A iniciativa do WhatsApp demonstra que existe sim fundo de verdade em tudo o que Patrícia Campos de Mello levantou na reportagem que publicou. Indícios suficientes para que sejam questionadas a lisura do pleito e, consequentemente, a legalidade do seu resultado.

Ao contrário do que pensam os ministros do TSE, como noticia o Painel da Folha deste sábado, não se trata de criar “marolas”. Porém, de resguardar, como é papel do Tribunal, a lisura do pleito para garantir que a principal regra da democracia – “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente” -, realmente seja respeitada.  Representantes que devem ser eleitos em pleito limpo e claro.

Não será jogando a investigação para as calendas que se resolverá o problema da lisura desta eleição. É preciso agir imediatamente. Afinal, a denúncia da Folha demonstra ainda algo mais grave: a Justiça Eleitoral, que como a jabuticaba é genuinamente brasileira, apesar de todos os alertas e experiências recentes em eleições como dos Estados Unidos e plebiscito na Inglaterra, não se preparou para enfrentar um pleito dominado pela tecnologia virtual.

Ficou muito mais preocupada em barrar a candidatura de alguém que liderava todas as pesquisas de opinião, numa iniciativa de tutelar o eleitor e não permitir que a democracia fosse exercida, através da escolha livre nas urnas. Prometeu muito, principalmente o seu ex-presidente, Luiz Fux, mas não fez o dever de casa para garantir a isonomia na disputa e, em especial, afastar a influência do poder econômico que sempre dominou os pleitos.

Ao sinalizar que irregularidades poderão vir a ser enfrentadas no futuro, em longínquos e intermináveis processos judiciais que podem redundar na cassação de uma chapa, o TSE simplesmente pode estar convalidando um pleito viciado.

Com isso, coloca em jogo a própria democracia ao convalidar a possível eleição de um candidato que já deu demonstrações mais do que suficientes de não respeitar o Estado Democrático de Direito. Ou seja, candidato que, no poder, poderá até mesmo tentar influenciar na decisão do judiciário, tal como cansamos de ver acontecer nos 21 anos de ditadura civil/militar. A mesma que ele e seus comparsas tanto defendem.

Como diz o ministro Dipp, chegou a hora de a Justiça Eleitoral dizer a que veio e para que serve. Não omitindo-se e convalidando um pleito sob suspeita. Nem permitindo que a investigação do mesmo ande a passo de cágado. Pois, ainda na definição do próprio Dipp, “quanto mais (a investigação) demorar, mais a dúvida cresce. Por exemplo, mesmo que tenha eleição e continue esta ação e não saibamos que investigações estão sendo feitas e qual o grau de influência que possa ter acontecido, já causa um tumulto, uma descrença e pode haver manifestações internacionais (…) quanto mais se alongar um processo desses, mais a dúvida pode persistir”.

Persistindo a dúvida, surgirá, inevitavelmente, o questionamento da legitimidade do pleito e dos eleitos. Nacional e internacionalmente. É isto que o TSE deseja?