#EleNão porque sou evangélica. Por Simony dos Anjos

Atualizado em 26 de setembro de 2018 às 16:11
Bolsonaro é inimigo das mulheres. Foto: Reprodução/Portal Vermelho

Publicado originalmente no Justificando da CartaCapital

POR SIMONY DOS ANJOS, cientista social 

Meu #elenão é uma convocação para a destruição das estruturas sociais que mantém a sociedade brasileira da forma que está

Tendo em vista compor a campanha realizada pelo Justificando #Elenão, passei os últimos dias refletindo sobre o porquê não voto no inominável. Obviamente, porque o projeto de país e de sociedade que ele representa, não me contempla e não é, definitivamente, o país que desejo para os meus filhos e para todos os brasileiros. Contudo, fui convidada a escrever da perspectiva de uma mulher evangélica, o que  me demandou recorrer a um exercício que faço há muitos anos: fazer dentro da igreja a crítica ao modo que a instituição oprime as mulheres que estão dentro dela.

Assim, farei esse texto em 3 pontos: 1. qual narrativa acredito que temos que construir nesse período eleitoral, de modo geral. 2. Como o Bolsonaro tem utilizado o poder das lideranças evangélicas, para aumentar seus eleitores e 3. como  que os líderes evangélicos encontraram no Bolsonaro uma maneira de manter o status quo da igreja: a submissão feminina a qualquer custo.

Bolsonaro é efeito e não causa

Como feminista que sou, fico emocionada e empolgada com toda essa mobilização para deter o coiso nas eleições. A ideia de empoderamento está diretamente ligada à coletividade. Em outras palavras, enquanto não for consenso geral que enquanto uma mulher estiver oprimida, nenhuma de nós está empoderada, não superaremos o machismo. Nas redes sociais, a unificação contra o inominável demonstra um germe desse sentimento: uma ameaça para uma, é uma ameaça para todas – sendo que a ameaça está personificada no dito cujo.

Contudo, a geração das redes sociais me coloca uma questão que compartilharei com vocês, aqui: o sentimento de que curtidas são, de fato, uma mobilização por si só. E não são. Assim, acredito que o combate contra o Bolsonaro deva ser em duas frentes. Primeiro, um esforço de combatê-lo nessa campanha eleitoral, inclusive denunciando Igrejas que têm usado o púlpito para promovê-lo. E segundo, ter em mente que o #elenão é efeito e não causa.

Após a corrida eleitoral, não podemos achar que se ele não ganhar, a ameaça fascista está aniquilada. O problema é estrutural. A sociedade está estruturalmente organizada para que as mulheres, negros, população LGBT sejam oprimidos e tenham seus corpos aniquilados. A opressão não é uma ameaça sazonal, é perene. E acredito que temos que aliar ao movimento #elenão a denúncia da estrutura social que permite que pessoas como o inominável tenham destaque e apoio político nas proporções que ele tem tido.

Enquanto sororalmente todas as mulheres se sentem ameaçadas pelo fato deste candidato defender que mulheres devem ganhar menos, porque engravidam. Nem todas se sentem ameaçadas por serem as que mais morrem em abortos não seguros, as que têm seus filhos mortos pela polícia ou que são a maioria das mulheres abaixo da linha da pobreza, no Brasil.

Ou seja, a mobilização deve ser motivada pelas causas que criam Bolsonaros, e não após Bolsonaros criados. E o que permite que existam políticos que abertamente destilam discurso de ódio, é o racismo, machismo, homofobia, transfobia, etc, que são estruturantes da sociedade. O mesmo motivo que leva o Bolsonaro a ter apoio, é o motivo que não permite que negros e negras estejam em universidades ou que pessoas trans consigam empregos formais: o preconceito que está presente no imaginário social brasileiro. O imaginário social que permite que o Bolsonaro se torne uma ameaça nessa corrida eleitoral, é o mesmo que produz as diferenças sociais. Ou seja, o combate é a um projeto de país, e não a uma única pessoa.

“O Estado é Laico, mas eu sou cristão”

Após entendermos que o Bolsonaro só existe por causa das configurações sociais e estruturais da sociedade brasileira, é necessário entendermos que a religião é um vetor importantíssimo na construção desse imaginário social racista, machista, homofóbico e transfóbico. O cristianismo, de modo geral, tem uma série de tabus e interdições, que não por acaso, são equivalentes com as maiores opressões sociais vividas em nosso país: intolerância religiosa – principalmente às de matrizes africanas, machismo e tabus sexuais. Nesse sentido, um candidato que se declara cristão, carrega consigo a ofensiva aos corpos divergentes e, portanto, a defesa do que a sociedade diz ser um cidadão de bem.

Desse modo, princípios religiosos cristãos são vetores importantíssimos na construção da moralidade brasileira. Não por acaso, as interpretações bíblicas a respeito do comportamento feminino, das interdições do sexo e até mesmo da origem amaldiçoada dos africanos (altamente refutáveis pelas teologias que interpretam a bíblia a partir das epistemologias do sul), coincidem com as opressões que mulheres, negros e LBGTs sofrem.

Quando partimos do princípio que a maioria dos cristãos corroboram com a manutenção das estruturas sociais de nossa sociedade, mesmo que eles próprios sejam oprimidos por essa estrutura, entendemos o porquê de tantos candidatos com o perfil do Bolsonaro fazerem campanha políticas em igrejas. Principalmente nas evangélicas, que têm produzido um tipo peculiar de político: o político pastor. O próprio Bolsonaro pode ser processado por propaganda irregular, haja vista uma aparição na Igreja Batista Plenitude na qual afirmou: “O Estado é laico, mas eu sou cristão”. Obviamente, o #elenão não é um cristão praticante, mas aparecer como cristão é uma ótima propaganda política para setores conservadores da sociedade, um cristão é exatamente o que se espera de um político, para esses setores: um representante que defende moralidades e não direitos.

O mau caratismo faz com que muitos usem da posição pastoral para indicar candidatos com base no trunfo das igrejas cristãs: o medo do pecado. O pecado é o que mobiliza sentimentos de culpa que durante séculos foram introduzidos pelas tecnologias de governos dos fiéis. Quando evangélicos votam em boçais como o coiso, é porque acreditam que a melhor forma de combater o pecado é a repressão, assim como foram ensinados durante séculos a reprimirem seus corpos, atitudes e vidas, para que não fossem destinados ao inferno.

E o pecado é a maior ferramenta que a igreja cristã tem para mobilizar seus fiéis. O medo do pecado, e do possível pecador, é a força motriz que gera tantas fobias sociais.  O medo de uma sociedade entregue ao diabo faz com que se odeie pessoas que possam configurar a existência do pecado, e o Bolsonaro é um político que está transformando o medo e a culpa dos cristãos em capital político para sua campanha, resultando na manipulação de milhares de eleitores.

Os tabus de gênero e o pecado

Além de criar uma postura beligerante entre os cristãos (lembram-se dos Gladiadores do Altar?), para nós, mulheres, o “pecado” é absolutamente perigoso. A interpretação mais fundamentalista da bíblia atrela à imagem de Eva, a origem do pecado no mundo. E por isso, não é um absurdo para muitos cristãos quando o Jair Bolsonaro diz que “fraquejou e fez uma filha”, “que mulher deve ganhar menos, porque engravida” ou quando chama uma mulher que tem vida pública de “vagabunda”. Para o cristão conservador, Eva teve que arcar com o pecado e por isso se tornou um ser humano de segunda categoria.

Dessa forma, Bolsonaro apenas reproduz a ideia de que mulher deve ser submissa, cuidar da casa e não ter atividade política – e quando tiver, deve ser desqualificada. O Bolsonaro tem uma postura extrema nesse argumento, mas lembram-se da “Bela, recatada e do lar”? É a mobilização do mesmo imaginário da mulher submissa, em intensidades diferentes. E essa figura feminina baseada no imaginário social cristão é a forma das mulheres se redimirem do pecado original: servindo marido e filhos – e os políticos mobilizam esse imaginário, conforme suas conveniências.

Pois bem, a fala emblemática do Gênesis que diz que o desejo da mulher é do seu marido, está por trás da opressão que toda e qualquer pessoa que ouse enfrentar a supremacia do macho-alfa cristão é vítima. Uma mulher que não se sujeite, é uma ameaça direta à  masculinidade e à feminilidade “bíblicas”. E é com esse estereótipo de gênero que Bolsonaro arrebata muitos votos femininos. Ele incorpora os três P’s do patriarcado: Provedor, Procriador e Protetor. Pois à medida que a mulher se sujeita ao homem, em troca tem família, sustento e proteção.

Nós, feministas cristãs, temos combatido arduamente esse estereótipo que está enraizado no cristianismo, de modo geral. Que pode ser identificado como “a mulher é uma fraquejada” ou como “Bela recatada e do lar”. No limite, o pecado  faz da mulher uma eterna devedora dos males da sociedade, construindo uma redoma em torno da emancipação feminina. E, num país com 89% de cristãos, não podemos deixar de estabelecer esse debate com a origem moral-cristã da submissão da mulher.

Por fim, o meu #elenão é um #elenão para a manipulação dos cristãos pelo medo, para o fim da falta de empatia e reconhecimento das intersecções das opressões e um #elenão para a falácia da submissão da mulher. Meu #elenão é uma convocação para a destruição das estruturas sociais que mantém a sociedade brasileira da forma que está. Avante, sempre! Retroceder, nunca!