Ellen: nós te devemos desculpas pela existência de Jair Bolsonaro. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 12 de março de 2016 às 10:03
Show de primitivismo de Bolsonaro diante de Ellen
Show de primitivismo de Bolsonaro diante de Ellen

O sentimento de vergonha alheia nunca me ocorreu tão intimamente quanto hoje, ao assistir uma conversa entre a maravilhosa atriz e ativista LGBT Ellen Page e o (ainda) deputado homofóbico Jair Bolsonaro.

Não apenas pela homofobia, que, sabemos, não é privilégio dele.

E não apenas pela ignorância transparecida por este que ocupa uma cadeira no Congresso Nacional a cada vez que Ellen fazia uma afirmação inteligente e o deputado respondia com piadas machistas ou teorias nada científicas para justificar o injustificável.

O que me envergonha é que este homem ainda represente uma parcela da sociedade brasileira. E que a mídia internacional veja o Brasil como “o país do deputado que considera homossexualidade anormal.”

A despeito disso, não pude deixar de constatar que eu realmente adoraria ser detentora do autocontrole de Ellen. Ouvir as respostas nojentas do deputado e manter-se serena e educada é, realmente, admirável.

Mais ainda: ser descaradamente cantada por um homem machista, homofóbico e inoportuno e continuar, friamente, aquela conversa intragável é privilégio para poucas – não para mim, receio.

Ao ser perguntado a respeito da própria homofobia, Bolsonaro responde com uma cantada barata – que, para ele, fortalece a sua masculinidade, mas, para nós, só ratifica a certeza de que se trata de uma figura desprezível.

Ellen Page é uma mulher linda. Talvez por isso tenha sido tratada com alguma educação pelo homem que já proferiu, em pleno Congresso Nacional, que não estupraria Maria do Rosário porque “ela não merecia”.

Acaso, no lugar de Ellen, estivesse um homem gay – melhor ainda: um homem gay que sabe que ser afeminado não é um pecado – ou uma mulher lésbica fora dos padrões de beleza, como teria reagido Bolsonaro?

Seu histórico de cinismo e agressividade fala por ele. Ele provavelmente não teria sorrido entre uma piada homofóbica e outra. Teria conduzido a conversa com as ofensas habituais.

O deputado demonstrou, além da homofobia que já lhe escorre pelos poros, a odiosa fetichização de mulheres lésbicas ao dizer que Ellen é “simpática” e que se ele a visse na rua, assoviaria para ela.

Um adendo: a cara de nojo que a atriz esboçou ao ouvir tamanha asneira é a mesma cara de nojo que fazemos cada vez que olhamos para Bolsonaro.

Para além desse episódio homérico de demonstração de uma masculinidade frágil que precisa ser ratificada mesmo nas situações mais inoportunas, Bolsonaro repetiu para as câmeras e para a ativista LGBT o mesmo discurso homofóbico e previsível que nós já conhecemos.

O mesmo discurso, aliás, que circula em muitas casas, em muitos almoços de família, em muitas rodas de conversa e em muitos bares. O que alguns talvez não compreendam é como alguém pode proferi-lo em frente às câmeras sem o menor constrangimento.

Bolsonaro não se envergonha de ser homofóbico e ignorante porque alguns, infelizmente, comungam de suas opiniões. Alguns ainda classificam-no como “mito” e dão a ele a segurança necessária para sustentar um discurso burro e preconceituoso.

Há ainda quem aplauda a ignorância, e é por isso que figuras como ele se mantêm.

Sem o menor resquício de constrangimento pelas reação estupefata de Ellen, o deputado sorri e conclui: “Você não vai me convencer a ser hétero e eu não vou te convencer a ser gay, vamos seguir nossas vidas.”

Receio que “seguir as próprias vidas” é o que os gays e lésbicas mais anseiam – mas com homens como Bolsonaro no Congresso, esta certamente não é uma tarefa fácil.

E eis que quando nada parecia ser capaz de superar a ignorância já tão cristalinamente demonstrada, eis que o deputado confessa que não entendeu nada do inglês de Ellen – e o que nós ainda não entendemos é porque um homem tão asqueroso continua no Congresso Nacional.

Ellen, nós te devemos desculpas pela existência de Jair Bolsonaro.